Que país é este?
Se aprovada, a redução da maioridade penal só vai aumentar o problema do nosso já superlotado sistema penitenciário
Acompanho atento e preocupado as manobras do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, para colocar em votação e tentar aprovar de qualquer maneira a emenda constitucional de redução da maioridade penal. O debate radical sobre o tema, que reflete este momento ultrapolarizado da sociedade brasileira, vai muito além das frases de efeito dos que bradam pela prisão dos menores infratores, pois está mais do que clara a fragilidade da medida, que se aprovada vai apenas aumentar o problema do nosso já superlotado sistema penitenciário e não tem qualquer relação direta com uma eventual queda da criminalidade, como pregam os defensores da diminuição da maioridade.
Entretanto, essa longa e difícil discussão é importante para repensarmos alguns elementos básicos de constituição da nossa sociedade e da nossa política. Listo as seguintes indagações para refletirmos juntos: 1) Seria este país do ódio, da vingança e da brutal desigualdade de oportunidades, que se desenha com tal decisão de redução da maioridade, realmente uma opção ideal e aceitável de local para viver? 2) Qual é o verdadeiro papel da imprensa, que pouco falou sobre quem de fato é Eduardo Cunha, transformando um político com origem criminosa em herói dos desinformados ávidos por justiça a qualquer custo? 3) Qual é o lugar dos partidos políticos com históricos humanistas, tão importantes para a consolidação da nossa democracia, e que hoje perdem a moral em armações e esquemas ou apostam no caos do quanto pior melhor para voltar ao poder? 4) Qual o nosso papel como cidadãos diante da política? Pois não cabe mais fingirmos que não temos nada a ver com essa barbárie conservadora e desonesta que infectou nossas instituições.
A democracia e o limite ético regimental do parlamento, conquistados com muita luta, trabalho e entendimento, estão sofrendo duros golpes que podem inaugurar uma nova era de arbitrariedades e retrocessos. Vamos assistir a tudo isso com se fosse um filme de terror? Vamos nos exaltar nos bares e depois esquecer do assunto no dia seguinte? Vamos continuar votando em um (e apenas um!) idealista que nos represente no Congresso, achando que assim estamos fazendo nossa parte?
Tudo pelo poder
Os neoconservadores que aplaudem o deputado Eduardo Cunha, achando que ele está em uma cruzada para resolver o problema da segurança pública prendendo menores infratores, não percebem que na prática ele apenas está aproveitando o coro de uma maioria justamente aterrorizada pela violência para angariar votos e ampliar o setor conservador da sociedade, que pode o alçar a voos políticos maiores. É a repetição do “tudo pelo poder” do marketing político pautando as ações e não resolvendo nenhum problema.
Termino esta reflexão com uma frase simbólica do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, este sim um verdadeiro herói nacional que precisa ser lembrado nestes tempos difíceis: “Se não vejo na criança uma criança, é porque alguém a violentou antes, e o que vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi tirado. Essa que vejo na rua sem pai, sem mãe, sem cama e comida, essa que vive a solidão das noites sem gente por perto, é um grito, é um espanto. Diante dela, o mundo deveria parar para começar um novo encontro, porque a criança é o princípio sem fim e o seu fim é o fim de todos nós”.
*Alê Youssef, 40 anos, é apresentador do programa Navegador, da GloboNews, comentarista do programa Esquenta, da Rede Globo, e analista político. Seu e-mail é alexandreyoussef@gmail.com e seu Twitter é @aleyoussef