"A Balada do Louco"

por Luiz Alberto Mendes em

              LOUCO

 

A“Balada do Louco” dos Mutantes me comove. Explica meus momentos de auto-incompreensão. Porque tudo que poderia ter sido, ainda é provavelmente possível. Sou o que jamais planejei ser e nada do que supus seria.

A verdade é que não cheguei a lugar nenhum porque não havia um lugar para chegar. Tudo sempre foi invenção. A vida caminhou sobre meus passos por um tempo, mas depois procurei sempre estar à frente dela. Eu era consciente de não ser “normal” como os outros. Sempre achei que algo me faltava. Hoje descubro que é o contrário. Não faltava; excedia. Segui outros tambores.

Até onde errei, me pergunto. Mas a questão é absurda, já que não poderia ser diferente. Seguia e aquele, por pior fosse, era meu caminho. Aos olhos daqueles estavam de camarote, sempre fui meio maluco. Inconsequente, talvez.

Fui em frente doendo, aos trancos e barrancos, mas inteiramente vivo. A normalidade era abjeta, a regularidade causava náuseas. As pessoas não me acompanhavam e desde cedo desisti de ser entendido. Foram poucos sorrisos, mas sempre apaixonados. Jamais acreditei na felicidade como diziam. Minha vida estava totalmente cheia de mim, não me preocupava com isso. Jamais consegui ser senão eu mesmo.

Tudo parecia noite fechada de negro. E de repente ficava absolutamente claro. Jamais me bastou a realidade. Doía estar preso ao instante. De todo perdido, queria entender porque tudo para mim fora tão diferente. Pensei solitário, angustiado e entranhado nessas palavras todas que tento explicar.

Perdi mais de trinta anos na prisão. E fico a me perguntar o que seria ganhá-los. O que seria ter vivido esses anos na “normalidade”? O que seria hoje, caso não houvesse cometido as loucuras que me condenaram a tantos anos de dor? Provavelmente alguém diferente do que sou. Se for isso, muito obrigado; não quero. Atravessei do começo até o fim o túnel dos esquecimentos e me alimentei de abandonos. Estive devastado, mas reconstruí chances com minhas próprias mãos.

Quando perguntada sobre o que um homem precisava ter para interessá-la, a atriz Silvia Bandeira respondeu que este homem necessitava possuir história. Talvez isso seja tudo que tenho. Não sou transparente; estou denso, fértil e cheio de idéias a expressar.

Aqui fora a vida não é fácil. Luto para sobreviver e sustentar os que dependem de mim, como todos. Há sempre uma aflição, uma insegurança inquietante quanto ao dia de amanhã. Muitas vezes tenho pesadelos que caio em uma queda sem fim. O segredo é mais um passo à frente, embora os olhos secos como as pedras do chão.

Contradizendo a norma geral, vivo do que escrevo e falo. Envolto em áspera melancolia, sigo teimosamente. Estou para aquilo que perdura. Mesmo enfrentando esse oco dentro da garganta que faz engolir em seco. Tudo me parece sempre tarde, mas assim mesmo persigo a melhor expressão e uso as palavras como o vento a derrubar as folhas secas, fertilizando.

Peço desculpas a quem espera de mim lucidez contínua. Não há conselhos no que escrevo. Mal consigo levar minha vida, refém do dinheiro e cheio de problemas maiores que minha capacidade de solucioná-los. Sou apenas vida que se cumpre, mastigando inquietudes e engolindo ansiedades. 

Não, eu não sou feliz como o louco da Balada. Também não sou simplista e não aceito maniqueismos. Não vejo somente “normais” e loucos. Acho que somos todos mais ou menos insanos. Perdoe-me quem não concorda, mas faz parte da condição humana. “Normais” surtam às vezes. A própria idéia de normalidade é piração humana. São os tidos por mais malucos que criam, inventam e transformam. Van Gogh; Napoleão; Nietzche; Artaud; entre tantos.

Estou vivo, disposto a ser útil e amar. Acho que isso é tudo que um homem pode fazer, em meio a sua insanidade.

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Luiz Mendes

08/07/2010.

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