Quer lucrar quanto?
As relações humanas, do poder público ou da iniciativa privada, são regidas pela frase: “O que eu ganho com isso?”
"A ambição universal do homem é colher o que nunca plantou"
Adam Smith
“O que eu ganho com isso?” Alguém discorda que essa frase se tornou a base das relações contemporâneas? Seja na esfera pública, com o corrupto criando dificuldades para vender facilidades, seja na competição desenfreada do mundo privado e do capital especulativo, a obsessão é se dar bem, custe o que custar.
A política de alianças, à qual todos os governos se submetem em troca da governabilidade, é sustentada pelo toma lá dá cá. Um bom exemplo recente aconteceu quando a bancada evangélica do Congresso Nacional pressionou o governo federal por mais espaço e contra alguns lampejos de modernidade pós-religiosa do país, chegando a ameaçar pular no colo da oposição. Panos quentes e muita articulação de bastidor foram necessários para segurar os pastores no time. O que eles ganharam com isso? O ministério da Pesca, oras! São bons em pescar almas, porque não o seriam em pescar peixes de verdade, apesar de o senador Crivella, novo Ministro da Pesca, ter reconhecido nunca ter colocado uma minhoca no anzol? Pequeno detalhe.
Outro exemplo recorrente e marcante atende pela alcunha de PMDB, mas poderia se chamar Partido do Que Eu Ganho com Isso. O gigante, maior partido do país, só o é pois reflete muito bem o espírito da maioria que ingressa na vida pública: quer se dar bem. Se hay governo sou a favor, mas vou cobrar caro por isso. A “peemedebização” da política explica tudo, ou quase tudo, que acontece por aqui.
Interesse manda em tudo
Mas enganam-se os que atribuem ao Brasil a exclusividade na prática do “é dando que se recebe”. Em brilhante coluna nessa mesma Trip, meu amigo Ronaldo Lemos cravou recentemente que “dinheiro faz mal à saúde”, destrinchando o novo livro de Lawrence Lessig, professor de Harvard, chamado Republic Lost: how money corrupts Congress and a plan to stop it (República perdida: como o dinheiro corrompe o Congresso e um plano para acabar com isso). Nos EUA essa realidade é a versão brasileira turbinada por muito mais liberalismo, lobbies etc.
Enganam-se também as pessoas que caem no discurso vazio de que tudo isso é prática apenas dos inescrupulosos políticos. O setor público apenas reflete o que a sociedade está careca de saber ou de fazer. O setor privado está absolutamente contaminado pela busca maluca do lucro absurdo. Alguém está satisfeito com seu banco, por exemplo? O capital especulativo manda, os fundos de investimento compram tudo para vender e lucrar mais e o self-interest, base da economia liberal de Adam Smith – “não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu ‘autointeresse’” – virou fichinha perto do que acontece agora. Por mais que existam bolhas e crises e centenas de reflexões sobre outros modelos, a síndrome de Wall Street contaminou o mundo todo, e os gafanhotos modernos circulam por aí atrás dos países das colheitas da vez.
Como já falamos tanto neste espaço, a verdadeira transformação da nossa sociedade passa por uma nova forma de fazer política bem diferente do que vivemos hoje. Passa também por uma grande análise de consciência da humanidade e da história da vida privada. As relações humanas estão em jogo, assim como nossa própria condição ecológica. O velho jargão do Fórum Social Mundial, por mais ultrapassado que possa parecer para alguns, ainda ecoa como contraponto à pergunta espertalhona que abriu este texto: Outro mundo é possível?
A resposta é sim, desde que se comece a pensar no lucro coletivo para substituir o benefício imediato e individual.
*ALÊ YOUSSEF, 36, é fundador e sócio do Studio SP e do Studio RJ, um dos fundadores do site Overmundo e presidente do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta. Foi coordenador de Juventude da prefeitura de SP (2001-04). E-mail: ayoussef@trip.com.br. Twitter: @aleyoussef