Quem quer ser um milionário?
Com trajetórias distintas, Bruno Pesca e Marcelo Trekinho falam sobre educação e surf
Dois amigos dos tempos de escola. Um seguiu o rumo planejado para ele: educação formal, vestibular, faculdade de Economia, emprego num banco de investimentos. O outro se matriculou na universidade da praia e se tornou um dos mais conhecidos surfistas profissionais do país. Quinze anos depois de tomarem rumos diferentes, Bruno Pesca e Marcelo Trekinho se reencontram e resolvem partir para uma viagem de surf à Índia, para refletir sobre vida, educação, carreira e felicidade
Especialistas dizem que momentos de crise são ótimos para nos reinventarmos. Em 2008, o sistema financeiro mergulhou em uma crise, e previsões chegaram a vislumbrar algo equivalente ao terrível ano de 1929 e a Grande Depressão dos anos 30. Para muitos jovens em bancos de investimentos, entretanto, grande depressão era a vida antes de 2008, enquanto tudo ia bem. Eu era um desses jovens, mas tive a sorte de ser demitido logo no início daquele ano. Foi a melhor coisa que aconteceu em toda minha vida.
O que fazer diante de tal oportunidade? Procure um trabalho que domine e que realmente o realize, diriam os especialistas. Assim, embarquei no Não conta lá em casa, um projeto de viagens a países conturbados que virou um programa no canal Multishow. Jamais pensei em trabalhar na TV, mas como economista tinha grande interesse em desmistificar realidades sociais e como surfista, alguma experiência em viagens corajosas.
Bons surfistas são ótimos para qualquer empresa ou empreitada, desde que se sintam surfistas dentro dela. O surf ensina competitividade, criatividade, aptidão ao risco, tranquilidade e prazer perante a diversidade, consciência sobre a necessidade de estar preparado. Em viagens a Iraque, Afeganistão ou qualquer destino off-limits em que nem sequer vi o mar, jamais me senti tão produtivamente surfista. Na labuta como aventureiro profissional reencontrei meus dotes do surf, e o passo seguinte seria reincorporar à rotina adulta o hábito juvenil que mais construiu minha identidade: o de viajar para surfar.
Utopia indiana
Muitos anos se passaram desde as longas temporadas adolescentes no Havaí. Muitos comparsas da época foram abduzidos por escritórios, como eu, mas outros jamais precisaram se afastar do esporte. Meu amigo Marcelo Trekinho é um desses caras.
Se entre nosso começo na praia do Leblon e até pouco atrás eu já havia estudado, me formado e abandonado o mercado financeiro, o Mias (como o chamamos no Leblon) já havia passado anos no circuito mundial de surf. Embora considerado por muitos como um dos melhores surfistas de sua geração no mundo e da história brasileira, jamais havia chegado até onde seu talento merecia levá-lo. Vivíamos agora um momento parecido, o da reinvenção, e achei que nada melhor do que propor a ele uma surf trip juntos, após tanto tempo.
A utopia de qualquer surfista é surfar ondas incríveis testemunhadas apenas por seus melhores amigos. Precisávamos de algo assim para essa viagem, custasse o que custasse para chegarmos. Pensei nas imagens que vi de uma direita incrível, num cenário que parecia inventado por algum surfista fotógrafo. Um píer cruzava o meio da onda em algum lugar da Índia. Índia? Tudo a ver com a ideia de jornada em busca de si próprio, e assim voamos, Mias e eu, esperando descobrir tudo o mais pelo caminho.
Um país de 30 surfistas
Apesar do modismo ocidental pelo turismo espiritual na Índia, o surf – que é o esporte mais espiritualizado que conheço – ainda é praticamente desconhecido por lá. Segundo o presidente da associação de surf indiana (não foi difícil achá-lo no Google), são apenas 30 os surfistas nativos, informação agradável de ouvir para quem buscava tranquilidade. O fato de não sabermos onde era a tal onda, ou como encontraríamos alguém que nos levasse a ela, não chegou a nos incomodar. Acreditávamos que tudo se resolveria de algum jeito, e assim aconteceu.
Descemos pela costa oeste do país, a partir de Mumbai. Arriscamos uns dias na costa leste. Foram voos domésticos, noites em trens, percursos em estradas um tanto assustadoras. Mas, se por um lado os indianos são agressivos ao volante, por outro o ashram é amável com os visitantes bem-intencionados.
Não me pergunte como, mas encontramos a pessoa mais indicada a nos levar até a tal onda. Descobrimos que o pico fica numa ilha onde visitantes não são permitidos durante a época de monções (chuvas), na qual estávamos. Mas essa é também a época de boas ondulações, e com bons argumentos (e nenhum suborno) convencemos autoridades locais para nos abrir uma exceção. Estava oficialmente garantido que a onda seria somente nossa por alguns dias, já que nenhum dos 30 surfistas do país era residente da ilha. Em contrapartida, nos comprometemos a não divulgar o nome do pico a mais ninguém.
A viagem demorou dois dias de navio, tempo suficiente para o Mias e eu conversarmos sobre a vida, coisas de amigos que se reencontravam. Ao chegarmos, porém, interagimos basicamente com sorrisos e gritos na água, e profundos foram somente os tubos que vimos e surfamos. Seria mais do que óbvio pra mim, um economista, dizer que foi a viagem de surf mais incrível que já fiz. Mas, se isso não chega a impressionar, foi a melhor viagem de surf de toda a vida do Mias também, segundo o próprio. Sua performance foi algo que jamais o havia visto fazer, e só não me senti desatualizado porque ele mesmo não escondia o choque do quanto aquele momento era especial.
Ah, sim, o melhor da história: repetirei outras viagens dessa com o Trekinho e outros amigos a partir de agora. Graças ao diretor Rico Faissol, essa viagem foi a primeira de uma nova série de aventuras para a televisão, que estreará muito em breve em um novo canal da Globosat. O nome do programa? A vida que eu queria!
Não sou especialista, mas acho que este relato pode ser o incentivo que faltava a alguns leitores prestes a reinventar suas vidas.