Quem não pode também pode
O grande discriminado da sociedade industrial: o menos capaz
Caro Paulo,
Quero saber sua opinião.
Eu trabalho muito bem com negros, homossexuais, portadores de deficiência física, índios, idosos. Não tenho nenhum problema, pelo contrário, valorizo a diversidade, acredito na diversidade como condição de uma sociedade rica e íntegra.
Eu sei que você também pensa assim, tanto é que um dos valores da nossa Trip é "gostar do diferente".
Consigo falar horas sobre a maravilha e a importância do diverso. Mas outro dia me flagrei convivendo tão mal com um diverso que estou repensando minha visão sobre o assunto. Foi assim.
Eu estava na Anhangüera, dirigindo meu carro, indo para a Natura, em Cajamar (SP). Tinha hora marcada, não estava atrasado, mas o tempo para eu chegar era contado. Modéstia às favas, eu e a Iara administramos minha agenda com muita eficiência.
A estrada estava livre, mas na minha frente, na pista da esquerda, um carro ia muito devagar. Dei um toquinho gentil na buzina, nada. Fiz sinal de farol, nada. Encostei na traseira dele para fazer pressão, nada. Buzina, farol, pressão, tudo junto, e nada.
Quando deu, ultrapassei o incompetente como se ele não existisse, com uma irritação e um desprezo totalmente justificados. Mais à frente, ganhando a velocidade que eu considero adequada para cumprir meu compromisso, me acalmei, caí em mim e tomei consciência do que tinha se passado na minha cabeça.
Fui decifrando minha reação e sentimentos: "Aquele motorista lento com aquele carro lento estavam diminuindo minha eficiência. Eu tenho um carro muito bom, novo, potente e seguro o suficiente para andar rápido na estrada. Eu comprei com o meu trabalho. Eu dirijo razoavelmente bem, tenho todos os sentidos bem espertos para poder dirigir rápido com toda segurança. Com o meu carro e a minha habilidade, eu tinha conquistado o direito de andar a 120 km/h, o que garantiria a minha pontualidade no cliente. Mas aquele motorista lento com seu carro lento estavam prejudicando meus direitos, me fazendo andar a 70 km/h. Eu estava sendo injustiçado, daí a justa irritação".
Paulo, nessa hora eu me surpreendi com um grande preconceito contra o menos capaz, aquele que diminui minha eficiência. Fiquei tão chocado com a minha constatação que diminuí a velocidade para me acostumar com a novidade.
É isso: desde que seja capaz, eficiente e competente, não importa se é negro, mulher, homossexual, velho, cego, jovem ou cadeirante.
Imediatamente me caiu a ficha de um princípio de gestão de empresas colocado pelo chamado guru da administração Jack Welch, que diz: "Todo ano, demitir os 10% menos capazes da organização". Eu pensei: esse cara é superfestejado, se todo mundo fizer isso, onde vão parar esses 10% de menos capazes da população? Vai virar um entulho rejeitado e marginalizado. Um horror!
Fiquei confuso e me lembrei das dificuldades das empresas que buscam cultivar a diversidade na sua cultura. O problema é a eficiência e a competitividade da equipe, e não a cor, o gênero, a orientação sexual ou a limitação física do profissional. Não tenho dúvidas, o grande discriminado da sociedade industrial é o menos capaz.
E não vejo ninguém colocando esse personagem na roda quando se fala em diversidade.
Talvez porque numa sociedade competitiva como a nossa, que mede sucesso das pessoas por produtividade, não seja possível defender a inclusão do menos capaz.
É um problema muito sério, eu pensei, quando ouvi uma buzina atrás de mim. Era o motorista lento com seu carro lento que me alcançou de tão lento que eu andava perdido nos meus pensamentos.
Pisei fundo deixando ele para trás.
Cheguei atrasado à reunião mas cheguei melhor, com um problema novo: o que é preciso mudar na sociedade para se incluir o menos capaz ?
Você tem alguma coisa para me dizer sobre isso?
O abraço do amigo capaz,