Procura-se Enric Duran
Enquanto a crise econômica chegava ao auge, o catalão Enric Duran pegava emprestado de vários bancos 492 mil euros - que ele nunca pretende pagar - e produzia um jornal para denunciar o sistema financeiro que o patrocinou. Foragido da justiça, ele co
No dia 17 de setembro, quem caminhava pelas ruas de Barcelona deparava com um exemplar de um novo concorrente no já bastante diversificado nicho das publicações distribuídas gratuitamente pela cidade.
Diferentemente das outras, porém, a capa de Crisi – nome da recém-chegada revista de número único em formato tablóide – não resumia os principais fatos do dia anterior. Sobre a fotografia de um homem empunhando alguns centavos de euro, saltava aos olhos a pergunta “Crê que os bancos te roubam?”, seguida da resposta “Descubra como eles o fazem e como dar a volta”.
A chamada dizia respeito aos textos das páginas 10 e 11, nas quais o editor de Crisi, o ativista catalão Enric Duran, de 32 anos, escancarava todo o plano que pôs em prática: com parte dos 492.632 euros que arrecadou em empréstimos de 39 instituições financeiras distintas – todas devidamente listadas na matéria, juntamente com a quantia em euros que cada uma forneceu – ele redigiu, editou, imprimiu e distribuiu 200 mil exemplares da revista por toda a Catalunha (comunidade autônoma espanhola da qual Barcelona é a capital).
Com a diferença de que simplesmente não pretende pagar o que deve. “Eu roubei 492 mil euros dos que mais nos roubam para denunciá-los e construir alternativas para sociedade”, diz a manchete. Segundo seu autor, que adotou o codinome Robin Bank (em óbvia alusão a Robin Hood), apenas um documento falso e desculpas, como a compra de um carro ou a reforma de um apartamento, foram suficientes para obter os empréstimos.
Crisi chegou às ruas no auge da crise mundial dos bancos. Não por acaso, suas 20 páginas descem a lenha no sistema bancário, além de conter uma enxurrada de manifestos antiestablishment em prol do que ele chama de “desobediência civil”. Tal cardápio inclui desde dicas sobre como viver em comunidades auto-sustentáveis
Qual é a sua expectativa com o lançamento de Crisi e do site?
O objetivo foi colocar à disposição das pessoas informações que nunca nos explicam nos meios de comunicação de massa e, as quais, por meio de Crisi, apresentamos juntas e em um contexto de compreensão bastante fácil.
Quantas pessoas te ajudaram nesse projeto?
Umas 500 pessoas colaboraram na distribuição da revista e algumas dúzias na preparação da publicação.
Como você fez para reunir tanta gente?
Há muitos anos organizo campanhas e mobilizações no território catalão, por isso conheço muita gente, e boa parte desse pessoal confia em mim a ponto de se dispor a uma ação antes mesmo de conhecer totalmente seu conteúdo.
Você já recebeu alguma denúncia formal?
Segundo a polícia, recebi duas denúncias, mas tenho que confirmar diretamente quais entidades financeiras são.
Alguns dos procedimentos que você recomenda – não pagar hipotecas, por exemplo – podem causar às pessoas problemas com as leis. Ainda assim você os recomenda? Que alternativa sugere?
A história demonstra que as principais mudanças foram conseguidas quando um bom número de pessoas foi mais além da lei por suas crenças políticas. Eu aposto pela desobediência civil, ou seja, a ação pacífica que desacata leis para transformá-las. Cada pessoa deve pensar por si mesma até onde se veja capaz de chegar e atuar em consciência. Quem não se atreve a sair da legalidade pode, por exemplo, tirar o dinheiro do banco, não pedir créditos, consumir de maneira responsável, difundir as informações nas quais acredite, etc. Há muito que fazer, seja como for.
Neste momento você se encontra em território espanhol? Onde?
Não estou em território espanhol, e essa é a única pista que quero publicar sobre este assunto.
Você tem a intenção de se manter desaparecido por quanto tempo? Está preparado para ser preso?
O tempo de sumiço dependerá da concretização das denúncias e de como eu vir a força dos movimentos sociais da Catalunha no momento de me apoiar em um suposto julgamento. Em todo caso, a prisão é um risco que assumi já no momento em que iniciei uma ação desse tipo.
Vale a pena ser preso por causa de seus ideais?
Penso que, se você está realizando ações de impacto transformador e se sente capaz de assumir esse perigo, é um risco que, sim, vale a pena correr. Sem pessoas capazes de assumir esse risco, muito dificilmente haveria mudanças sociais.
Você acha que Crisi atrairá mais atenção pelas idéias de seus textos ou pelo fato de ter sido publicada nas condições em que foi?
Pelas duas coisas. É difícil separar uma da outra, não? Vejo com grande coerência a idéia de desmascarar como funciona o poder financeiro, por meio de uma publicação financiada por uma expropriação sobre ele mesmo, explicada na própria publicação. Foi isso que causou esse grande impacto midiático e social.
Quais foram seus critérios para a escolha dos pseudônimos que assinam os textos? Seu nome é mesmo Enric Duran?
Os textos são quase todos assinados por pseudônimos, o meu nome é o único real. Os nomes são, na maioria dos casos, de pessoas que morreram em lutas contra o poder. Entre eles está também um brasileiro: Valmir Mota de Oliveira, companheiro do MST assassinado por se opor aos interesses das multinacionais de alimentação.
Você tem contato com integrantes do MST?
Não tenho contatos diretos, apesar de ter amigos em comum, colegas que colaboraram com eles.
Falando em Brasil, você está por dentro da situação político- econômica do país? Qual sua opinião a respeito?
Pelo que eu saiba, há alguns anos, havia movimentos sociais muito fortes, mas – e não é a primeira vez que isso acontece – a subida ao poder de um partido com o qual colaborava parte desses movimentos acabou com eles. Além do mais, o governo de esquerda atual não foi capaz de se afastar das políticas neoliberais e por isso a situação é dura, já que nem a partir de cima ou de baixo parece haver força sufi ciente para mudar o rumo das coisas.
Existe algum modelo político-econômico vigente no mundo que você acredita ser exemplar?
Não creio que exista nenhum país que possa ser definido como modelo para as idéias políticas de transformação social defendidas pelos movimentos sociais de que participo. Ainda assim, evidentemente, há processos políticos, especialmente na América do Sul, com os quais encontramos maior afinidade do que com os governos neoliberais que dominam a maior parte do mundo.
Quais seriam eles?
Bolívia e Venezuela estão fazendo esforços interessantes. Ainda que não esteja de total acordo com coisas que fazem ali, é preciso levar em conta o quão difícil é mudar o sentido das coisas a partir do governo de um país submetido a uma ordem internacional injusta.