Prazeres do Tantra

Em viagem pela Índia, o explorador britânico Sir Richard Burton descobriu o Kama Sutra

por André Caramuru Aubert em

Quando você pensa em “globalização”, o que provavelmente vem à sua cabeça são imposições culturais dos países ricos sobre os pobres e os bagulhos fabricados na China com design europeu, tecnologia japonesa, ferro brasileiro, software indiano e desemprego americano. Mas a globalização não é só isso. Ela é tantra. Nem que seja pelo avesso, mas é. E não porque o sexo tântrico seja almejado por você, que bem pode ser um globalizado paulistano filho de italiano com mulata, católico, budista, cabelo rastafári, defensor da causa palestina e com namorada judia. Nada disso. Comecemos do começo. A globalização começou com os navegadores portugueses e espanhóis, com o planeta ficando pequeno e o cristianismo desembarcando nas Américas, na África e na Ásia, pessoas desses continentes desembarcando (nem sempre por livre e espontânea vontade) na Europa e em outros cantos. E, naquela época, como hoje, as coisas pesavam excessivamente a favor do Ocidente, inclusive, é óbvio, nos campos da ideologia e da cultura.


O capitão Sir Richard Francis Burton, militar e explorador inglês nascido em 1821, foi um dos primeiros ocidentais a perceber que o mundo podia ser visto sob uma perspectiva mais ampla. A vida dele já rendeu mais de um livro. Só para resumir, direi apenas que ele deixa o Indiana Jones com cara de monitor de rafting em Brotas. Estudante em Oxford (de onde foi expulso), corrigia o latim e o grego dos professores. Depois, oficial do exército de Sua Majestade, ele ficou conhecido, na Índia britânica, como um militar tão destemido que beirava a insanidade, e o que mais matou inimigos em lutas com espadas. Foi um dos descobridores das nascentes do Nilo. Trazia uma grande cicatriz, na face, atravessada pela lança de um guerreiro somali. Falava 29 línguas e um sem-número de dialetos. Publicou dezenas de livros e sua tradução das Mil e uma noites foi admirada por gente do calibre de Jorge Luis Borges. Burton foi dervixe nas ruas poeirentas do Cairo e visitou, disfarçado de peregrino pashtun, a pedra sagrada em Meca. Viveu no Brasil e desceu o rio São Francisco de Minas Gerais até o mar. E a lista poderia seguir por páginas e páginas.

Do avesso

Mas o interessante, em Burton, é que, mesmo tendo sido um fiel servidor da Coroa britânica, dedicado a ampliar as fronteiras do Império, ele se interessava de verdade por outras culturas. E levava tão a sério as tradições orientais que foi aceito em seitas totalmente vedadas aos europeus, vindo a se tornar, inclusive, um brâmane, um Sacerdote da Serpente. E foi assim que Burton descobriu e traduziu o Kama Sutra e divulgou, no Ocidente, os tantras. Em plena era vitoriana, ele aprendeu, na Índia, que a sexualidade deveria ser encarada como uma parte integrada à vida, que sexo era uma coisa prazerosa e, para escândalo de seus contemporâneos, que as mulheres podiam, e deviam, gozar também. Não sei como ele era em casa, mas sei que consta que sua mulher, Isabel, era bem feliz...

E esta deveria ser a ideia central a ser aprendida com Sir Richard Burton: diversidade faz bem porque, ao reduzir assimetrias e amplificar nossa visão de mundo, nos deixa mais sábios (ou menos burros). Além disso, ao se interessar pelo tantra (entre milhares de outros assuntos aos quais se dedicou), Burton levou para a Europa uma forma nova de encarar a sexualidade, o que ajudou a mudar para melhor, ao longo do tempo, a vida sexual dos ocidentais (ou seja, a nossa). É por isso que, pensando bem, devemos admitir que a globalização tem pelo menos um lado bom: o do avesso.

*André Caramuru Aubert, 48, é historiador e trabalha com tecnologia. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br

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