Prazeres confiscados
Perguntamos a quatro pessoas: de que prazer você mais sentiu falta durante a privação?
Bárbara Paz
34 anos,atriz, vencedora da Casa dos artistas , onde ficou confinada por quase 50 dias em 2001.
“Quanto mais os ratos se aproximavam das lentes,/ para nelas aumentar sua auto-estima,/ para nelas ficar mais próximos de um possível sucesso/ e assim se tornar uma possível celebridade,/ as faltas me faziam chegar mais perto do meu eu/ a falta me fazia companhia/ me ajudava a lembrar da única realidade possível que me dava prazer/ olhar meu corpo/ sedento/ de sexo, silêncio e água/ a falta de ter um chuveiro meu, só meu./ um esconderijo para o meu corpo nu/ uma água quente para minhas partes mais íntimas/ que essas nenhuma lente conseguiria captar/ talvez um dos maiores prazeres que já tive/ conseguir sair daquelas grades/ voltar para minha casa/ e tomar banho nua./ sozinha. nua comigo mesma./ sabendo que ali não tinha ninguém para me vigiar./ foi como uma viagem de ácido/ a água era tão boa que era impossível de ser real – eu tinha a sensação de que ela não entrava na minha pele/ escorregava. como tinta./ um banho com Francis Bacon me esculpindo/ e me trazendo de volta à vida/ a minha.”
Washington Olivetto
56 anos, publicitário, ficou 53 dias sequestrado entre dezembro de 2001 e fevereiro de 2002.
“Durante aquele mico de 53 dias, senti saudades de tudo o que costumava fazer e também frustração por coisas que ainda não havia feito. Principalmente uma viagem de carro pela Alemanha que eu e a minha mulher havíamos planejado para o período entre o Natal e o réveillon de 2001 para 2002. Meses depois, acabamos fazendo a tal viagem que, por motivos óbvios, teve um sabor ainda mais especial.”
José Dirceu
63 anos, Ex-ministro-chefe da Casa Civil de Lula, viveu exilado em Cuba entre 1969 e 1979, com vindas clandestinas ao Brasil.
“No exílio sente-se saudade de tudo. Eu sentia muita saudade de São Paulo, de suas ruas, da Maria Antônia, do barulho, do cheiro, dos amores e desamores, dos ônibus – particularmente do elétrico, da PUC, onde estudei antes de partir – e dos amigos e companheiros. Morria de vontade de tomar guaraná, de rever e de estar em minha Minas Gerais, de rever suas montanhas, de minha cidade, Passa Quatro, que produz vários guaranás. Vivia sonhando com coxinhas e pastéis, lambendo os beiços de vontade de comer uma feijoada e de ver o Corinthians jogar. Como voltei ao Brasil clandestino no começo dos anos 70, tomei tubaína e guaraná, comi feijoada e tudo mais. Só não fui ver o Corinthians jogar. Quando voltei de vez matei a vontade de coxinhas com guaraná e durante a década de 90 quase viciei minha primeira filha, Joana, em coxinhas – sob protestos de sua mãe, registre-se, porque esse petisco é um tanto impróprio para crianças.”
Luiz Alberto Mendes
56 anos, Autor do livro Memórias de um sobrevivente, no qual fala sobre os 31 anos e 10 meses que passou preso.
“O que eu mais senti falta foi de mulheres. Chegava a um ponto, depois de décadas distante do convívio com elas, que só de vê-las, saber que elas existiam de fato, já era um prazer inenarrável. Não é apenas sexo. Conversar com elas era uma delícia, um mundo novo que surgia como que do nada. O modo de uma mulher de saias sentar, por exemplo, ainda me causa um imenso prazer. Esse foi um dos maiores castigos, a supressão do meu direito humano de estar junto com ‘humanas’.”