Prancha amiga

Novas tecnologias buscam soluções para minimizar os efeitos poluentes da fabricação de pranchas de surf

por Fernanda Danelon em

O shaper Mario Ferminio, que já fez mais de 10 mil pranchas recicláveis

POR FERNANDA DANELON

Já dizia Confúcio, cinco mil anos atrás: “Se alguém quisesse mudar o mundo, teria que começar por si próprio”. A máxima do mestre chinês é levada tão a sério por Mario Ferminio que, há 19 anos, quando ninguém queria saber do assunto, o shaper assumiu o desafio de fazer uma prancha de surf reciclável, usando a resina epoxi e o bloco de isopor no lugar do poliéster e do poliuretano. “Enquanto o isopor precisa de água em sua expansão, o poliuretano usa o TDI (tolueno diisocianato), produto altamente tóxico, já proibido em vários países”, explica Mario. As chamadas pranchas ecológicas ganharam espaço a partir de 2005, quando a maior fabricante de blocos do mundo, a Clark Foam, teve suas portas fechadas pela EPA, agência norte-americana de proteção ambiental. A ação que interrompeu 45 anos de atividades comerciais teve base em lei californiana que proíbe o uso do TDI. O episódio estimulou as fábricas de blocos a buscar uma fórmula menos nociva à saúde.

Apesar do compromisso intrínseco do surfista com o meio ambiente, pouco se fala nos poluentes químicos envolvidos na confecção de pranchas de surf. “É um esporte que deve buscar harmonia com a natureza e não destruí-la. Mas a maioria dos surfistas não se envolve com essa questão. Acontece que 700 mil pranchas são fabricadas por ano em todo o mundo. Imagine o impacto ambiental dessa produção”, alerta Mario. O veterano Teco Padaratz rebate: “O surfista é um ambientalista por definição. No entanto, é pouco organizado para fazer grandes ações”.


Rodrigo Koxa e sua prancha feita com resina epoxi no Farol de Santa Marta (SC)

COMBO DE EPOXI COM ISOPOR
A cada 20 pranchas vendidas pelo shaper Alexandre Flora “Akiwas”, somente uma é feita de epoxi. “Ainda há muita resistência em se comprar esse tipo de produto”, conta ele. Apesar de ser mais leve e rápida do que a prancha convencional, a peça de epoxi demora mais tempo para ser confeccionada, exige maior manutenção, tem custo superior e ainda apresenta instabilidade em ondas grandes. “Essa prancha tem melhor aceitação no exterior porque lá as ondas são mais lisas, os fundos do mar são geralmente de pedra e o vento é terral. Essas condições pedem pranchas mais rígidas, com quilhas maiores. Assim, a rigidez do epoxi/isopor se torna uma vantagem”, observa Teco. Já o big rider Rodrigo Koxa, acostumado a dropar tubos gigantes, quando está no Brasil só pega onda com as pranchas ecológicas: “Essa prancha é ideal para o mar do Brasil. Por ter boa flutuação, traz velocidade às ondas gordas e pequenas”. No momento, Koxa e seu shaper Akiwas estão tentando adaptar a tecnologia epoxi para tow-in, numa tentativa de migrar a resina para o mar de grandes ondas.

Enquanto a surfistada debate as vantagens e os problemas da combinação da resina epoxi com o bloco de isopor, Henry Lelot criou a “combo”, uma prancha feita de bloco poliuretano revestido com epoxi. “Há mais de dez anos eu comecei a fabricar pranchas de epoxi com isopor. Mas o produto, leve demais, não foi bem aceito. Desenvolvi, então, a combo, prancha de maior durabilidade e desempenho, muito bem recebida pelos meus clientes”, explica o shaper carioca. “E continuo buscando alternativas menos nocivas ao meio ambiente. Além do epoxi, que é bem menos poluente, estamos estudando o MDI (metileno difenil diisocianato) para expansão do poliuretano, cujo tempo de biodegradação é cinco vezes menor do que o TDI”, completa.

Fibras de bambu, reciclagem da matéria-prima, tratamento e reutilização da água da fábrica. A fórmula definitiva para deixar o planeta limpinho ainda não foi encontrada. Ainda bem que algumas criaturas resolveram dar ouvidos às sábias palavras do confucionismo.

VAI LÁ: Para conhecer melhor o trabalho dos shapers ecológicos acesse www.mfpranchaepoxi.com.br e www.lelot.com.br
Arquivado em: Trip / Surf / Tecnologia / Esporte / Tecnologia