Pobre escravo rico
Nos prometem felicidade, mas ela é rasa. Em troca, nos tornam domináveis ao marketing, prontos para produzir e consumir
“Quando você compra algo, não paga com dinheiro, paga com o tempo de sua vida que teve que gastar para ter esse dinheiro”, afirma Pepe Mujica, o ex-presidente uruguaio. E o que é o tempo para nós? Tempo é algo que, se gastamos, não conseguimos repor. É nele que desenvolvemos nossa vida, ou seja: tempo é vida que se esvai. Então, gastamos nossa vida para consumir? Qual é o motivo da vida? Essa pergunta está sempre presente em nossa mente.
Será que vivemos para consumir, descartar, como a sociedade moderna nos pressiona? Seremos peças de engrenagem que, ao comprar e descartar, coloca a máquina social em movimento para que funcione em moto-contínuo?
Temos uma sociedade tão rica como nunca tivemos, mas, ao mesmo tempo, sem nada para compartilhar. Vivemos com pressa, acelerados, o mercado nos pressiona e de repente eis que estamos ofegantes, já que não temos tempo nem para respirar. Gastamos tempo (vida) para produzir e consumir; carecemos de inúmeras coisas para dar sentido às nossas vidas e ficamos presos a elas. A casa superequipada, o Playstation das crianças, as roupas das grifes que fazem sucesso. Ou então temos o carrão importado com design moderno, e gastamos morando de aluguel em casas chiques para aparentar riqueza. Vivemos além de nossa capacidade financeira, a ostentar, e estamos desesperados atrás de empréstimos para financiar esses luxos. O banco nos consome, toma nossas vidas a longos sorvos.
O ideal da modernidade é que sejamos autossuficientes, emancipados, independentes e que não dependamos de ninguém. E tudo isso para quê? Sem os outros, independentes e autossuficientes somos mais fortes, mais felizes? Duvido. Nos prometem felicidade, mas é uma felicidade rasa, ligada à consumolatria. Em troca, nos tornam apenas capturáveis, domináveis ao marketing e às mídias todas, prontos para produzir e consumir. Quando a felicidade, sabemos, tem a ver com alegria, satisfação de viver, sexualidade, saúde, amizade, fraternidade, amor...
CONSUMIR É COCAÍNA
Felicidade não depende de nosso cartão de crédito. Nada acontece de bom se não aprendermos a gastar nossas vidas de forma melhor do que a que nos propõe a sociedade de consumo. O homem é um ser em busca, que segue sua história única de procura contínua e insaciável. Isso tudo nos cansará, nos tornará deprimidos, neuróticos e ansiosos (essa doença do século 21). É de nossa natureza usar nosso tempo para construir, compartilhar e fazer o que é essencial para que a vida seja mais satisfatória. Necessitamos fazer nossa parte para que o presente seja melhor que o passado e o futuro, melhor que o presente.
Consumir é o mesmo que colocar heroína nas veias ou cocaína no nariz. É um outro tipo de fuga do cansaço de protagonizar socialmente o que não somos pessoalmente. O trabalho que nos rouba a vida enfada, os cônjuges, as casas, os afazeres todos nos esgotam – então consumimos compulsivamente. Vendemos nossas vidas ao menor preço. Mas nada, nada mesmo, nos libertará do tédio, da náusea do que somos seduzidos a viver. A vontade, de fato, é de
nos tornarmos outras pessoas, fazer novas dietas que nos emagreçam, operações plásticas que nos rejuvenesçam e modificar nosso ambiente. Isso pode ser divertido até que a insatisfação e a ansiedade nos levem novamente ao desespero e à depressão. Na verdade, ao caminharmos em movimento de fuga, nos tornamos perdedores autorreconhecidos.
Parece que a felicidade está em produzir o efêmero para que haja rápido descarte e a criação de necessidades para novo consumo. Mas a milenar experiência humana nos ensina que ou somos felizes com pouco, ou não somos felizes de forma alguma. José Alberto Mujica diria que: “Ao final és um pobre escravo que já não tem mais tempo de viver”.
Luiz Alberto Mendes *, 63, é autor de Memórias de um sobrevivente (Companhia das Letras)