Planeta Terra Chamando
Um abismo de gostos e preferências vem se formando entre as classes sociais
Um abismo de gostos e preferências vem se formando entre as classes A e B e as classes C, D e E. Essa divisão já havia sido ilustrada pelo antropólogo Hermano Vianna, quando ele disse que o “centro”, espaço ocupado pelas elites e mídias tradicionais, tornou-se uma espaçonave que se distancia cada vez mais do planeta Terra, onde vive a maioria das pessoas. O difícil era perceber em termos qualitativos a desproporção entre a espaçonave e o planeta que supostamente estaria “ficando para trás”.
Do ponto de vista estatístico, essa disparidade é fácil de visualizar. A classe C representa 46% dos brasileiros, enquanto as classes A e B correspondem a 15%. Esses números não traduzem, no entanto, as nuances culturais dessa divisão. A partir do momento em que a classe C passou a se conectar à internet (grande parte por meio das lan houses), tornou-se possível visualizar de forma mais clara alguns fenômenos bastante interessantes.
Um deles é uma mudança radical na ideia de “sucesso”. Até pouco tempo, era fácil saber o que fazia sucesso. Bastava olhar que artistas tinham presença na mídia tradicional. Essa lógica mudou. A cantora Maria Rita, por exemplo, conta todos os meses com inúmeras referências e artigos nos canais mais tradicionais. Só em maio de 2009 havia cerca de 200 menções a ela no Google News, que compila notícias dos principais veículos de mídia impressa e sites. Ao visitar o YouTube, percebe-se que essa popularidade traduz-se em 1,2 milhão de visualizações no vídeo mais popular da cantora. Dá para pensar: “Nada mal”.
É de fato uma marca considerável. Mas e se compararmos esse número com o de alguns outros artistas que falam mais para o “planeta” do que para a “espaçonave”? Artistas que não têm praticamente nenhuma presença em mídias tradicionais. A resposta é no mínimo intrigante e nos faz pensar que há algo muito importante mudando na formação da esfera pública brasileira.
Você é um passageiro?
Basta visitar o mesmo YouTube para descobrir que uma banda como o Parangolé da Bahia tem mais de 1 milhão de visualizações em seu vídeo mais visto. O funk “Buffalo Bill”, feito por MC Bill e Bolinho no Rio de Janeiro, tem 2,5 milhões. A banda novata Desejo de Menina, do Ceará, já conta com 900 mil visualizações no seu vídeo mais popular (há vários outros com 600 e 400 mil visualizações). O Black Style, também da Bahia, tem 1,1 milhão. Isso para não falar de artistas mais “consolidados”, como o Calcinha Preta (3,6 milhões) ou o Aviões do Forró (5,1 milhões).
Os artistas consagrados nas mídias tradicionais embarcaram numa espaçonave que se distancia cada vez mais das redes informais, onde se fabricam os grandes sucessos de hoje
Esses números são resultado do fato de que há algum tempo a maior parte da música brasileira circula por outros canais, tanto pela internet quanto por outras redes informais, que se tornaram responsáveis por criar os grandes sucessos de hoje, sem gravadoras ou atenção da mídia tradicional. Faça o teste. Pergunte para as pessoas ao seu redor se elas conhecem alguma das bandas mencionadas acima. Dependendo da resposta, vai dar para saber se você também é passageiro da espaçonave.
*Ronaldo Lemos, 32, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br