Pequenos heróis

Depois de muito pensar e muito perseguir o que se chama de amor, cheguei à conclusão de que o amor não é algo que se deva procurar. Principalmente porque esse sentimento não é um produto e sim uma consequência que só acontece como subproduto de outras buscas. Assim como a felicidade e o sucesso, por exemplo. São efeitos colaterais de buscas que ultrapassam a nós mesmos. Um cientista alcança o sucesso quando, ao cabo de longa e extenuante procura, encontra um resultado positivo em suas pesquisas. Um professor é feliz quando consegue passar ensinamentos a seus alunos, que os assimilam conforme ele planejou. O amor acontece quando deixamos de procurá-lo e realizamos atitudes que a vida espera de nós.

Construímos o amor em nós na medida em que nos dedicamos, compreendemos e participamos da existência com toda a boa vontade e todo o empenho. Somos o intervalo entre o que lutamos para ser e o que somos; dominados pela fome de existir o mais amplamente que formos capazes. O fazer aos outros o que queremos que nos seja feito é o segredo da vida. É nessa busca que encontramos as melhores manifestações que a existência pode nos reservar. Confesso que venho me empenhando nesse sentido há décadas e o que tenho alcançado não me satisfaz.
Não quero que as pessoas sejam injustas comigo, como tenho sido injusto com elas. Quero ser muito mais amado do que tenho amado. Tenho fracassado e sendo derrotado na maioria de meus esforços. Tanto que cheguei à conclusão de que sucesso e fracasso são duas mentiras que não merecem minha atenção. O importante é seguir em frente criando, inovando e vivendo, sem desistir. Os acréscimos virão naturalmente.

Vivenciar dores, injustiças, humilhações constantes e negações às necessidades mais básicas ao ser humano, como a privacidade, o respeito, a  escolha, a liberdade física, moral e social, me trouxeram uma estranha paz. Apesar dos fracassos e das derrotas, já dei alguns passos e consegui alguma compaixão para a dor, alguma tolerância aos erros e uma compreensão, mesmo que limitada, do ser humano. Às vezes, quando procuro saber como consigo e de onde vem isso, parece mágico, qual fosse implantado em mim. Mas não, fui eu que escolhi, sou eu que venho sonhando em um dia ser capaz de entender e amar pessoas. 

Mas a gente não se salva sozinho, assim como ninguém salva ninguém. Na verdade estamos interligados, somos a humanidade e ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém. Embora eu não acredite nesse mito que chamam de humanidade: creio que existam seres humanos motivados pelas suas necessidades, pelos seus conflitos e sujeitos às contingências de seu tempo e espaço.

MAIS AMOR  

Ao contrário do que tem sido apregoado, hoje não creio que devemos começar de nós para atingir o mundo. Antes devemos começar do mundo, de compreender os seres humanos em sua finalidade existencial, para então chegar até nós. Se falta amor, respeito, amizade e felicidade no mundo, não podemos aceitar que só haja para nós.
As buscas individuais só nos individualizam e não realizam nada no coletivo. Só existem crianças dormindo nas calçadas e seres humanos vasculhando no lixo de restaurantes para se alimentarem porque aceitamos isso passivamente. 

Aqueles que dominam os poderes e as riquezas, gananciosos que promovem a miséria e a desgraça, são apenas desprezíveis traidores da vida e das pessoas. A ganância é a vertigem do desamor. É só compará-los a Mandela, Gandhi ou Martin Luther King, pessoas cuja liberdade foi uma escolha de devoção a todos, para notar o quanto esses outros são ridículos e diminutos. 

Provavelmente não chegaremos a ter a força e a potência desses nossos grandes heróis contemporâneos. Mas em nossas pequenas lutas para existir com os outros haveremos de gerar o amor, a amizade e a liberdade de  que somos capazes e assim atingiremos a cota de felicidade que nos está reservada.

*LUIZ ALBERTO MENDES, 63, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com