Pequena reflexão sobre a Existência

por Luiz Alberto Mendes em

ACOLHER  E  OFERECER

 

Grandes filósofos do passado consideraram a maior parte das pessoas estúpidas. Outros afirmaram a natureza humana como perversa. Correntes filosóficas modernas, pós-Freud, repudiam tais conceituações. Pesquisas e testes da atualidade (Q.I., por exemplo) indicam padrão mediano de inteligência para a maior parte das pessoas. Alguns se destacam e ainda existe a possibilidade do gênio. Mas mesmo estes somente o são em alguns aspectos. Noutros, primários como sobreviver por exemplo, são deficientes e morrem como moscas. Billie Holiday; Joplin; Hendrix; Morrison; para citar apenas gênios musicais, mortos no vigor da juventude. Qualquer um de nossos meninos de rua daria de dez a zero neles, em termos de sobrevivência às drogas.

Ao nascer, habitamos e somos habitados por outros. Aos poucos vamos nos distinguindo de uma confusa totalidade de coisas. Tornamo-nos rivais dos outros e nossa liberdade se cadastra como propriedade. Ela deve se deter exatamente onde principia a do outro. Depois da deseducação mutiladora, somos reduzidos a estarmos inteiramente sós. Somos, então, levados a lutar contra o outro qual fosse ele um limite a ser ultrapassado.

Tardei a perceber que o que havia de melhor em mim eram meus sentimentos para com o outro. E que ser humano não é aventura pessoal. Antes, uma conquista comunitária. Esse valor substituiu em mim a idéia da família tradicional. Sou pelo amor livre e recíproco, além do sangue, do dever, do interesse ou até mesmo do respeito.

Apanhei como um cachorro de meu pai. Queria me domar a pulso. Nem suas surras constantes, que me levaram à fome e a tragédia das ruas aos 11 anos de idade; ou os 31 anos e 10 meses de prisão que cumpri, conseguiram me domesticar. Nada impediu que eu me tornasse o homem que vou sendo.

Hoje me esforço por acolher e ofertar. Evito o vocabulário aflito porque sei; a dor é breve, como breve é a vida. As lajes, os telhados e as pessoas carecem de paz para ouvir os passarinhos cantarem. É difícil construir acolhimento; abraço redondo a aconchegar... Mas sei que fico inteligente somente quando estou sensível; logo, este é meu caminho. Embora para mim esteja claro que a noção de coexistência que possuímos é bastante precária. Diante qualquer crise, esperamos para ver o que sucede com os outros. Só depois de saber o que acontece é que tomamos atitudes que implicam em soluções coletivas.  

Quando o vizinho perder o emprego, apenas nos preocuparemos. Só quando perdermos nosso trabalho também é que pensaremos em fazer alguma coisa. Fazemos do outro objeto, como denuncia Sartre. O que acontece com ele é fonte de informação do que pode ou não acontecer conosco.

Na verdade, é complexo. Quase tudo com o que contamos esta envolto em dificuldades e inseguranças que suprimimos de nossa avaliação. É a única forma de seguir adiante. Se formos mais rigorosos em nosso exame, a precariedade de tudo nos deprimiria a ponto da imobilização.  A insegurança quanto ao futuro em uma economia instável e alavancada pelo endividamento, provoca o aprofundamento da crise que sempre estivemos vivendo.

Vivemos uma sociedade que parece estar em eterna formação. A pobreza, a saúde precária, a moradia complicada, a ignorância e a dificuldade de acesso aos meios culturais são a tônica. Com certeza teremos que nos ensinar a viver novos conflitos e descompassos sociais. Um silêncio grande nos envolve. Eu cá tenho minha saída pessoal. Vou escrever muito. Estou na maior torcida para que também encerre o ano escrevendo. Escrever é buscar, reprocurar, indagar e me indagar. Intervir diretamente na realidade que me cerca. E, ao intervir, acolho, ofereço, educo e ao educar, me educo.  

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Luiz Mendes

29/07/2010.

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