Pedro Paulo Rocha

Filho de Glauber Rocha aposta na internet e nas novas tecnologias para fortalecer a arte

por Fabiano Alcântara em

O artista Pedro Paulo Rocha, faz filmes, poesias, canções, tudo ao mesmo tempo neste instante. Os genes de Glauber Rocha mais marcantes em seu DNA são as heranças marginais e transgressoras. “Acho que ele estaria fazendo os filmes comigo, totalmente integrado ao ciberespaço, se utilizando das novas máquinas artísticas”, disse à Trip.

Pedro lançou essa semana, com dezenas de artistas, músicos e pensadores em um evento na Matilha Cultural a Rede Tranzmidias, com seu filme “Molotov Frames” e o clipe de Lira “Sistema Lacrimal”. Na seqüência, migrou para Pignatari Zona Live, na Tracktower, evento que também integra a série de lançamentos, com apresentações de Lira, Tatá Aeroplano, Loop B, Ciro Pessoa, Flávio Lima, Fernando TRZ, Caleb Mascarenhas e uma série de artistas que dialogam com a experimentação radical.

Ele fala mais sobre essas experimentações e suas influências.

Trip - Por que você quis juntar toda esta galera?
Pedro Paulo Rocha - A cultura do coletivo é algo muito marcante na minha formação, um divisor de águas. Isso explodiu sincronicamente em vários lugares do Brasil. Se antes criavam guerrilhas, nós criamos coletivos. Foi uma opção que tivemos para fugir do mercado e da academia. Isto antes da internet, com a internet você não pode pensar mais em coletivos, mas em conectivos.Hoje, colhemos exatamente os frutos dessa construção para além de seu gueto. Fica pequeno você pensar que tem um grupo, o mundo todo se resume àquele grupo. Então ao mesmo tempo em que você parte de uma cultura coletiva, hoje você também parte de uma cultura conectiva. E a ideia da rede é justamente isso. A rede não é um coletivo, um grupo, uma máquina. Ela é um estado permanente de movimento, de conexão. E esta cultura da conexão, esta cultura transmídias, da rede, ela é ao mesmo tempo uma possibilidade, uma alternativa à própria crise do capitalismo. Ela é uma alternativa para uma vida sustentável, de você realizar o seu trabalho de uma maneira independente. Uma questão necessária, de contingência. Mas para isto é necessário você se aliar. Daí vêm as conexões.

Como transformar São Paulo numa cidade transmidiática?
Fazer do espaço da cidade e das redes a própria experiência. É o campo de experiência vivo que a cidade nos oferece. Precisamos nos livrar destas velhas heranças messiânicas, de se fazer política como antes se fazia. De pensar a transformação como algo programado e controlável. Não é uma meta ou tipo de movimento que estaria preso a um superobjetivo. É mais que isso. Se a gente for pensar em criação, São Paulo é uma cidade que oferece ambientes alternativos aos institucionais? Você tem estúdios de música abertos? Você tem um local que você possa ir lá dividir a sua música com outros artistas? Você tem câmeras, ilhas de edição? Não tem. A cidade vive totalmente presa, esmagada. Você mudar a cidade não é questão de uma meta política, de um plano de urbanismo, mas é uma necessidade de quem vive a cidade. É colocar em prática estas novas experiências para que juntos possamos vivenciar outras ocupações. Os processos poderiam ser mais imaginativos. A gente vive um momento que a água não cabe. O rio não cabe mais na margem.

Qual você acha que é a principal contribuição do Glauber, de tudo que ele fez?
Sobretudo, a criação errante. Quer dizer, o Glauber em movimento. Não o Glauber fixo em uma data. Ele não cabe na história. Ele não cabe nos textos teóricos. A maior contribuição do Glauber é poder ser reinventado pelas novas gerações. Fora dos estigmas, dos preconceitos, dos policiamentos e dos erros. É poder ser inventado. Porque ele não cabe, ele ainda é uma persona non grata. Ele ainda é um dos artistas polêmicos. Outros foram para o panteão depois de mortos. O Glauber ainda é polêmico, a obra dele causa estranhamento e até revolta. Ele não foi absorvido. É, sobretudo, um traço contracultural, nômade, errante, clandestino. E a ideia de pensar uma arte nova. O Glauber ultrapassa as questões de nacionalismo, de brasilidade. Porque nesta trajetória do movimento, do caminho e da errância, de viagem, porque ele está o tempo todo viajando, é neste nomadismo que ele vai descobrir inconscientemente o novo cinema novo. Ele vai se libertar da linguagem, do roteiro, vai filmar de maneira improvisada. Então ele faz de uma arte industrial, caríssima, poesia. 

O Glauber entenderia seu trabalho se estivesse vivo?
Acho que ele estaria fazendo os filmes comigo, totalmente integrado ao ciberespaço, se utilizando das novas máquinas artísticas.

 

"(Se Gláuber estivesse vivo) ...ele estaria fazendo os filmes comigo, totalmente integrado ao ciberespaço, se utilizando das novas máquinas artísticas"


Tem alguma fase dele que você se identifica mais?
As fases começam a se misturar. Tem uma hora que você percebe que traços daquela fase anterior vão estar bricolados numa posterior. A fase que eu mais me identifico com o Glauber é exatamente quando ele vai romper com a cultura cinematográfica, com a linguagem do cinema, que é quando ele vai fazer o Leão de Sete Cabeças. É todo movimento de pensar um cinema tricontinental (América, Europa e África), que vai culminar no momento em que ele volta ao Brasil. Esta fase que ele chega ao Brasil é quando eu mais me identifico. É a fase em que ele está sendo pichado de louco pela esquerda e pela direita, sendo muito censurado pela cultura, porque a cultura também censura, não é só o Estado que censura. Quer dizer, o Glauber estava levando muita porrada e é seu momento mais criativo, ao contrário do que se fala. “Ah, neste momento o Glauber estava louco, não é mais o Glauber do Deus e o Diabo, do Terra em Transe”. Isto porque até hoje ele não é compreendido pelos críticos. O momento de explosão criativa do Glauber, da abertura. O Glauber foi o profeta da abertura. Ele escreveu Riveirão Sussuarana [romance], fez jornalismo novo, inventivo, escrevendo, misturando psicanálise com literatura, com teoria do cinema. E neste momento ele passa a escrever com uma ortografia própria, usando K, Z, Y. Você só entende o cinema dele mesmo lendo o Riveirão Sussuarana. Este momento é de potência. É quando o Glauber começou a se transformar em uma outra coisa, que encontra ressonância com o momento de hoje, das câmeras portáteis, do mundo tecnológico.

E como que entra o Helio Oiticica nesta história?
Quando eu descobri o Helio Oiticica, a ideia de um cinema com uma singularidade, ela se deslocou, minguou, se dissolveu. Porque o Helio Oiticica vai questionar o suporte, o quadro. Não importa mais o espaço pictórico, o que importa é sair pelas bordas, da tela até o espaço, o corpo, a experiência do outro. Ele vai destruir a hegemonia do suporte e vai ser uma experiência de tempo, espaço, da percepção. O transcinema vem daí. Se libertar do formato do cinema e pensar que a experiência está além do suporte, está além do formato. O seu projeto Cosmococa, o quase-cinema, coloca em xeque a paranoia industrial do cinema, como ele mesmo diz.

O século XX foi o século do cinema. E o século XXI?
É o século da multidão-tela.

Como fazer para alcançar, envolver esta multidão?
É uma violência a gente estar separado da multidão da cidade. Eu penso na minha arte como o rap. Eu acho que minha arte é sincrônica a esta que está se fazendo, nova, invisível. Esta arte não é mais de um, de um grupo ou de outro grupo. Ela é de todo mundo. A cultura transmídia possibilita que tudo seja visível, tudo seja expressado. Você vai lá e escreve uma frase, põe uma foto. Então, isto é da multidão. E eu acredito que a arte experimental é onde sempre a arte pop tem que beber. Porque uma cultura popular é experimental também antes da cultura de massa. Então, o experimental é onde a gente inventa a cultura urbana. A cidade transmidiática é aquela que permite ao artista vivenciar esta multidão. Os americanos inventaram as redes, mas a gente vai inventar a linguagem, a forma. Significa o quê? É como se a multidão, pela forma, derrubasse o criador do site. Todo mundo tinha que ganhar para criar conteúdos no Facebook.

Como surgiu sua aproximação com o Lira, que resultou no clipe de “Sistema Lacrimal”?
A gente tem uma identificação artística direta. Fiz o roteiro do livro dele “Mercadorias e Futuro”, criamos canções. Estamos também preparando um projeto de arte sonora chamado “Inter-Zona”. O Lira é ao mesmo tempo um artista do sertão e do mundo. Ele me convidou dizendo, não quero um clipe, eu quero que você faça um filme. Isto me deu toda liberdade para criar dentro do meu universo estético. Então, na verdade, não é um clipe, é um filme que eu fiz para a música dele. “Sistema Lacrimal”, um filme-música. É feito completamente fora dos padrões, um filme alucinado, em alta voltagem.

Veja abaixo um dos vídeos transmídia de Pedro Paulo:

 

O novo clipe de Lirinha, "Sistema Lacrimal":

 

Vai lá: www.tranzmidias.com.br

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