Pedaladas da vida
Duran: "Depois de uma pedalada, com certeza o próximo trecho será o contrário do último"
Não adianta reclamar ou celebrar, porque com certeza depois de uma boa pedalada o próximo trecho vai ser o contrário do último
Algumas coisas fazem sentido, outras não. A vida, por exemplo. Demora para engrenar e quando se aprende como ela funciona, como são os mecanismos que parecem desvendar o delicado processo que faz com que um dia aconteça depois do outro, é que se descobre que não se pode mais descer dela. Que se pararmos de pedalar todos os dias a queda é inevitável.
E se os pequenos truques se aprendem na medida em que as situações vão acontecendo se descobre, também, que não existe manual, mapa, não existe guia para as curvas fechadas ou retas que, velozes, se perdem de vista. A cada virada as coisas vão acontecendo, dependendo da intensidade e da percepção do praticante deste esporte tão peculiar que é a vida. O caminho que para uns é tão claro para outros é quase imperceptível e para terceiros quase não existe. De qualquer maneira, ele não é o mesmo para todos. É que cada um, meus caros, tem de descobrir o seu. Mas isso, a certeza de que só você mesmo pode resolver seus problemas, se aprende cedo. E se descobre logo que a certeza do caminho não existe, existe apenas o vento no rosto, a ponta do fio dos cabelos ondulando numa tarde de verão, a lágrima no canto do olho, o coração apertado e tudo em volta acontecendo e – em especial a paisagem que poucos param para contemplar – tudo passando a uma velocidade que às vezes parece lenta demais, e outras não tem como se segurar. Como aquele aperto no estômago (ou será no coração?) que só se sente numa boa montanha-russa, num salto de paraquedas ou num fio de arame sem rede.
Tombos que ninguém vê
De vez em quando a vida nos ensina que nem tudo é como deveria ser. Que o terreno pode ser acidentado, plano, ladeira acima ou ladeira abaixo. E que não adianta reclamar ou celebrar, porque com certeza depois de uma boa pedalada o próximo trecho vai ser o contrário do último. Se foi fácil o outro será difícil, se foi difícil o outro será fácil. São reentrâncias e saliências, e a única coisa que fica guardada na memória são os tombos que ninguém vê, mas que serão responsáveis pelas vitórias em que os outros tanto acreditam. A competência de cada um só pode ser julgada por ele mesmo. Só você mesmo sabe aonde quer chegar, e os outros, meu caro, não sabem nada de você. Quando muito são apenas espectadores de uma corrida invisível que ninguém tem certeza de como vai acabar, e que eles imaginam, esperam e torcem – a favor ou contra – para que dê certo. Ou não.
Mas esse é um, apenas um, dos mistérios da vida, que começa e termina sendo pedalada pelas ambições e aspirações de cada um, em um movimento contínuo. Os ritmos são diferentes, as pedaladas, os ciclos, também. A constante, o denominador comum, é um só: nem sempre quem chega primeiro é o que ganha o prêmio.
*J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor
www.twitter.com/jotaerreduran