Parem o Brasil

Só se o país voltar ao tempo da minha infância eu conseguirei deter a sensação de me tornar irreversivelmente estrangeiro

por Henrique Goldman em

Por Henrique Goldman*

Nunca me conformei com minha condição de estrangeiro, mas ao mesmo tempo me apego a ela desesperadamente pois não sei mais ser outra coisa. Depois de 26 anos longe do Brasil, devo ter contaminado meu português com inglês e com italiano e, sem perceber, misturo palavras e falo com um sotaque indefinível. Bem sabe disso o editor da Trip, que mensalmente corrige meu linguajar esdrúxulo de ponta-esquerda que foi jogar em Nápoles e não cabe mais em Goiânia. Um decassegui apoplético.

Fica cada vez mais comum voltar pra casa e encontrar desconhecidos que, ao me ouvirem falar, elogiam em tom paternalista: “Como você fala bem português, quase sem sotaque, ótimo vocabulário”. Como se eu fosse um brasilianista e não um brasileiro.

MANIA DE UPGRADE
E, como o tal brasilianista, meu olhar é quase sempre de estranhamento. Me pego com muito remorso observando meu país de fora pra dentro. Com muita razão, meus amigos daqui me criticam por implicar com a insaciável vontade brasileira de sofisticar, de dar um upgrade em tudo. Como colocar rodelas de laranja em guaraná, batida de hip hop em bossa nova, catupiry em borda de pizza e bijuteria em sandália Havaiana.

Mas em nome de que fico irritando as pessoas, defendendo uma pureza idílica? Que direito tenho eu de querer que os índios carajás não se aculturem? Certamente nenhum. Me engano quando penso que sou o antropólogo e não um membro da tribo.

É que, egoísta que sou, queria que o Brasil voltasse a guiar Opalas e Corcéis, que o menino Ferrugem nunca crescesse e que só existissem brinquedos da Trol e da Estrela. Sonho com essa estagnação porque, muito mais do que a morte, temo ficar irreversivelmente mais estrangeiro. Com muita razão Santo Agostinho disse que a memória é a casa da alma.

*HENRIQUE GOLDMAN, 46, paulistano radicado em Londres, é diretor dos filmes Princesa, Todas as mulheres que amei e do inédito sobre Jean Charles de Menezes. Seu e-mail é hgoldman@trip.com.br
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