País do futuro?

O povo, alegre, nas ruas e no Facebook, festejando a Olimpíada do Rio e o pré-sal redentor

por André Caramuru Aubert em

É o povo, alegre, nas ruas e no Facebook, festejando a Olimpíada do Rio; é o pré-sal, a atlântica redenção nacional; é o etanol, o mar de cana mostrando ao estrangeiro que o petróleo é nosso, e é verde

Saudade. “Este é um país que vai pra frente, ô ô ô ô ô.” E tinha também “eu te amo, meu Brasil, eu te amo, ninguém segura a juventude do Brasil”, esta gravada por Os Incríveis, que moravam do outro lado da rua, em frente à nossa casa, na Pamplona do lado de lá da Paulista, perto do hospital Matarazzo. Me lembro de assistir na mesma TV em preto e branco que mostrou Neil Armstrong pisando na Lua à posse do Médici na presidência, com aquela profusão de generais de óculos escuros, em casa todo mundo com cara amarrada e apreensiva, e eu sem entender, afinal não era pra ser uma festa bonita e alegre, a posse de um presidente?

Tinha o Amaral Neto, o repórter, falando da pororoca e louvando a Transamazônica, a beleza que era ver o progresso do trator e da motosserra triunfando sobre a selva selvagem. Com um banquinho e um violão, a bossa nova era cool e ia conquistando o mundo, de Tóquio a Nova York, mostrando que com o brasileiro não há quem possa. Em 1975, com o Ernesto “você não gosta de mim mas sua filha gosta” Geisel na presidência, criou-se o pró-álcool, com o potencial, quem então diria?, de revolucionar a matriz energética do planeta. Havia uma empolgação no ar, um sentimento unânime de Brasil, ame-o ou deixe-o, havia migrantes descendo do Nordeste em paus de arara, cheios de disposição e esperança, ajudando a alimentar de lenha a fornalha da locomotiva nacional. Chacrinha confundia, Silvio Santos esclarecia. Havia a censura, a Operação Bandeirante e os esquadrões da morte, ajudando a botar ordem na bagunça.

Teve gente que brigou, que foi torturada, que sofreu de verdade, que desapareceu nos anos 60 e 70. Essas coisas passaram perto, pegaram pessoas bem próximas, mas, criança que eu era, não as senti. Só fui entender o que tinha sido aquilo bem mais tarde. Ali, eu “era um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones” (também gravada pelos Incríveis), que vibrou com a conquista tricampeã no México, jogando bola contra a parede do quintal, parede que era Itália, Inglaterra, Tchecoslováquia, eu sozinho, em casa, vestido com a camisa 7, daquele que era o meu jogador preferido naquele time, o furacão Jairzinho.

Mognos em Maresias
2009. Chega de saudade, a esperança venceu o medo. Há, de novo, uma empolgação no ar. Nós conseguimos. Nós éramos o país do futuro, e agora que o futuro chegou nós somos o país do futuro do pretérito. É o povo, alegre, nas ruas e no Facebook, festejando a Olimpíada do Rio; é o pré-sal, a atlântica redenção nacional; é o etanol, o mar de cana mostrando ao estrangeiro que o petróleo é nosso, e é verde; é a Maria Rita emulando a mãe, requebrando, trejeitando e cantando letra triste com cara alegre; é a reencarnação do filho pródigo, pau de arara ontem, pai dos pobres hoje. Realizamos o sonho do ministro Mario Andreazza e integramos enfim a Amazônia: na casa de cada descolado em Maresias, jazem, em forma de caibro, mesa ou deck de piscina, cadáveres de centenários mognos do Pará. Na churrasqueira, picanha da vaca vinda de lá. Até censura nós temos de novo. E, se por acidente cruel do destino, nos anos 80 e 90 perdemos tempo com os Sarneys, os Collors e os Calheiros, que construíam então suas histórias, somos benevolentes e generosos, e os convidamos para participar, com papéis de destaque, do festão de hoje. Pois hoje a festa é sua, é nossa, é de quem quiser.

Em Brasil, o país do futuro, escreveu Stefan Zweig em 1941: “Há aqui mais liberdade e mais satisfação individual do que na maior parte dos nossos países europeus. Por isso na existência do Brasil, cuja vontade está dirigida unicamente para um desenvolvimento pacífico, repousa uma das nossas melhores esperanças de uma futura civilização e pacificação do nosso mundo devastado pelo ódio e pela loucura”. No começo de 1942, em Petrópolis, melancólico com o passado, triste com o presente e descrente do futuro, achando, enfim, que “futuro” e “civilização” eram palavras incompatíveis, o famoso escritor judeu austríaco se suicidou.

O berço é ainda mais esplêndido do que era antes; somos, como nunca antes neste país, o gigante pela própria natureza; só não estamos mais, eternamente, deitados. Sorrimos, rimos, gargalhamos. Mil e uma vezes. Como a baía de Guanabara cantada por Caetano, com a boca banguela e um dente em cada extremidade dela, nós somos felizes.

*André Caramuru Aubert, 47, é historiador e trabalha com tecnologia. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br

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