Eduardo Giannetti: tupi and not tupi

Com que país deveríamos sonhar? Em "Trópicos utópicos", o economista Eduardo Giannetti procura um caminho do meio – mas brasileiríssimo

por Renan Dissenha Fagundes em

Em novembro de 1997, o escritor e economista Eduardo Giannetti fez para a Folha de S.Paulo uma crítica de Verdade tropical, de Caetano Veloso. Sob o título “Trópicos utópicos”, Giannetti elogia as análises que Caetano faz da história do tropicalismo e de sua própria formação, mas considera “a parte menos convincente” uma “reflexão intermitente sobre a identidade e os destinos do Brasil”. “Ao longo do livro, Caetano nos dá a impressão de estar prestes a dizer alguma coisa mais definida e reveladora – de estar mesmo em vias de formular e desenvolver o que afinal seria a sua visão de um Brasil com que se possa sonhar –, mas a promessa não se cumpre”, escreve Giannetti, que se pergunta: “O que afinal desejamos e deveríamos almejar como nação?”.

É isso que Giannetti tenta responder, 19 anos depois, em seu livro mais recente, Trópicos utópicos (Cia. das Letras), lançado em junho de 2016. Na melhor tradição tropicalista, e nas palavras que ele usou para descrever Caetano, Giannetti empreende uma antropofagia de “metabolização criteriosa do material ingerido”. (Caetano assina a quarta capa, em que afirma: “Este é um dos mais belos livros escritos sobre o Brasil que já li. E nem é propriamente um livro sobre o Brasil”.) Nas três primeiras partes de Trópicos utópicos, Giannetti analisa os impasses criados pelos “três ídolos da modernidade”: a ciência, a tecnologia e o crescimento econômico. Os textos, curtos e dinâmicos, de temática ampla, podem parecer um pouco distantes daquilo que o título do livro promete, mas servem para posicionar o Brasil em processos globais e preparar a discussão sobre futuros e utopias – que é feita, finalmente, na quarta parte.

Quando chega a hora de Giannetti contar a sua visão de um Brasil com que se possa sonhar, seu trunfo é um discurso moderado e sensato, e, por isso mesmo, moderno. O economista, que participou das duas últimas eleições presidenciais, como conselheiro de Marina Silva, apresenta duas visões distintas para o desenvolvimento do Brasil: a mimética, que acredita não existir nada que possamos acrescentar ao modelo ocidental de civilização, apenas copiá-lo; e a profética, que acredita em uma “missão especial do povo brasileiro”. “Nenhuma das duas posições, creio eu, pode ser integralmente aceita”, escreve Giannetti. O mimetismo porque nos coloca como uma “cópia defeituosa ou inacabada do modelo ocidental”, e a visão profética por “beirar o fanático e o delirante ao bater pé na ‘questão de primazia’ em escala planetária”. A solução, então, seria um caminho do meio. Para a velha fórmula antropofágica “Tupi or not tupi”, Giannetti propõe uma resposta: “Tupi and not tupi”. Copiar e criar, saber aproveitar tanto ensinamentos quanto ideias originais.

Altivo e aberto
Mas o que afinal desejamos e deveríamos almejar como nação? À sua própria pergunta, Giannetti responde : “Quando penso no Brasil ideal que povoa e anima os meus sonhos, não nos vejo metidos a conquistadores, donos da verdade ou fabricantes de impérios. Não nos vejo trocando a alma pelo bezerro de ouro ou abrindo mão da nossa compreensão lúdica e amável da vida na luta por uma pole position na métrica do PIB per capita e no descaso por todos os valores, a começar pelos ambientais”, ele escreve. Antes, Giannetti acredita que a utopia de Brasil nos fala “de um Brasil altivo e aberto ao mundo”, “de um Brasil que trabalha (o suficiente), mas nem por isso deixa de transpirar joie de vivre”, de “uma nação que se educa e civiliza, mas preserva a chama da vitalidade iorubá filtrada pela ternura portuguesa”. “Faz sentido a ideia de uma civilização brasileira?”, ele pergunta por fim. E diz que sim, mas que isso implica “a identificação de nossos valores e uma efetiva adesão a eles”.

Unir a nação em torno de um ideal criado a partir de quem somos. Para um país em crise, rachado ao meio, pode parecer uma sugestão distante – por isso mesmo, uma sugestão que se faz necessária. Por onde começar, porém? Giannetti destaca dois pontos como os “principais trunfos brasileiros diante de uma civilização em crise”: a sociodiversidade da nossa história e a biodiversidade da nossa geografia. O povo e a natureza do Brasil. “É garimpando o cascalho das nossas apostas, conquistas e fracassos que chegaremos à lapidação dos nossos saberes e potencialidades”, escreve Giannetti. “O segredo da utopia reside na arte de desentranhar a luz das trevas.”

Créditos

Imagem principal: Adams Carvalho

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