Os Outros

por Luiz Alberto Mendes em

Os Outros

 

Estou lendo um livro ("Cegueira Moral" de Zygmunt Bauman) que me levou a pensar que o pior não são os psicopatas, as aberrações humanas e anormalidades. Antes, o que há de pior é insuspeito. São as normalidades, o que é trivial e o que é tido como desimportante, porque nos insensibiliza, nos torna incapazes de reagir ao absurdo. Porque parece, então, que as coisas acontecem com os outros e não conosco. É exatamente por isso que observamos as crianças dormindo nas calçadas e pessoas se alimentando ou convivendo com o lixo como os urubus, sem nos sensibilizar, sem sermos capazes de nos indignar e tomar e exigir providências. Tudo isso, por conta da exposição contínua, vai de tornando comum e desimportante. Banaliza-se a miséria, a desgraça dos outros como se a outra pessoa não fosse um igual. Provavelmente porque este faz suas necessidades fisiológicas, comum a todos os seres humanos, nas ruas e nós usamos o banheiro e papel higiênico. Embora o fedor seja o mesmo; ninguém come sabonete e bebe perfume. Vale ai uma máxima muito usada nas prisões quando o Choque da PM invade atirando ou brutalizando: "cada um por si e Deus para todos". A solidariedade e a capacidade de reação é esmagada dentro de cada ser humano pela banalização de tais "acontecimentos". É como a história daquele menino que vive fingindo se afogar; o dia que se afoga de fato, não é acreditado e ninguém vai socorrê-lo. Os infindáveis escândalos políticos e policiais (a corrupção de uns e as chacinas na periferia não solucionadas de outros), tão repisados e massificados em relatos da mídia, nos faz aceitar como normal e elimina toda nossa sensibilidade e responsabilidade social. Acontecem com os outros e não conosco, são quase ficções. Assim nos dissociamos das outras pessoas e o real é somente o que acontece conosco.

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Luiz Mendes

05/01/2015. 

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