Obesidade mental
A overdose de informação vazia a que somos submetidos está nos trazendo consequências catastróficas
No fim do ano passado, pesquisadores da Universidade de Duke, nos EUA, puseram um grupo de macacos na mesma posição em que estou agora. Na frente de um computador. E colocaram perto deles alguns copos de suco. Depois disso, os cientistas fizeram aparecer na tela dos colegas primatas algumas imagens de outros macacos do grupo. Entre elas, cenas dos macacos mais fortes e dos mais fracos, das fêmeas mais desejadas e das mais velhas.
Resultado: para assistirem às imagens dos membros mais poderosos e das fêmeas mais desejadas, os outros macacos estavam dispostos a dar uma parte dos seus sucos aos cientistas. Já para concordarem em ver os mais fracos e as mais velhas, os macacos pediam, em troca, para receber mais suco. Conclusão dos cientistas: até os macacos pagam para ver "gente" poderosa e atraente. Conclusão minha: o Amaury Júnior tem que lançar uma revista Flash para macacos. Também vai ser um sucesso.
Poderosos e atraentes sempre deram Ibope. O conteúdo da imprensa também é largamente baseado em imagens de primatas fortes e fêmeas atraentes. Não é? Do The New York Times à Gazeta de Arapiraca. Da coluna do Carlos Nader ao Estilo Ramy. Sempre foi assim. Portanto, a pesquisa da Duke traz pouca novidade. Desde antes da década de 60, respeitados cientistas sociais como Silvio Santos já haviam descoberto que todo ser humano tem seu lado macaco de auditório. O que há de novo na pesquisa americana é a descoberta de que todo macaco também tem um lado ser humano de auditório.
O interesse pelo poder político, financeiro ou sexual não é só da natureza da mídia. É da essência do homem. Pelo jeito, é uma característica impressa na nossa rede neural de primatas. A fofoca de massa vive disso. E me refiro aqui tanto aos veículos que publicam fotos de semi-celebridades em banheiras de Sidra Cereser quanto àqueles que dão destaque ao suposto alcoolismo de um presidente da República. Ou ao seqüestro de um compatriota no Iraque. Ou à morte de um banqueiro num banheiro de Mônaco, coisa que hoje em dia é manchete tanto da capa de Caras quanto da primeira página da Folha de S.Paulo.
Claro que não estou colocando o NYT e a Flash no mesmo patamar. Digo apenas que o que conta mesmo é o apelo da história. E elas são bem-vindas. Não acho que a mídia deva ser julgada pelo prisma moral. Eu adoro espetáculo. Acho que, assim como a informação, a fofoca é um bem existencial de primeira necessidade. Não há vida saudável sem uma dose de futilidade. Os problemas começam quando a dose se transforma numa avalanche doutrinária e anestésica.
Quem ainda acha que a repetida overdose de informação vazia a que o primata contemporâneo é submetido não está trazendo conseqüências catastróficas deve estar confundindo a vida real com o Big Brother. É difícil negar que a informação vazia e excessiva seja a tônica dominante das nossas relações sociais. Do lançamento de produtos ao lançamento de guerras preventivas. Como já disse, meu problema com isso não é moral. É ecológico. É a saúde do planeta que está em jogo. Nossa fome de narração está sendo saciada por uma epidemia paralisante de obesidade mental.
Créditos
Imagem principal: Marcio Simch