O tuk-tuk é coisa nossa
Arthur Veríssimo para o trânsito de São Paulo a bordo de um possante carrinho indiano
Depois de percorrer milhas e milhas de Índia, Paquistão, China e Peru a bordo de tuk-tuks (ou riquixás, ou motocars...), nosso repórter excepcional encara seu grande desafio: passear por São Paulo no simpático veículo
Eles estão espalhados por todos os continentes. Pululam por quebradas e por todo o planeta. Fazem parte do dia a dia de viajantes e populações inteiras que aproveitam sua praticidade diariamente. Com visual modesto e retangular, que mais parece um pacote de pão de forma sobre três rodas, tem baixo custo e manutenção simples. O tuk-tuk atende por muitos outros nomes – motocar, auto-rickshaw, trishaw, riquixá – e é um veículo de três rodas muito popular em alguns países da Ásia e da América Latina. Nossa equipe foi às ruas e, com muito estilo, testou em São Paulo a versatilidade e carisma desse triciclo que revolucionou o transporte em regiões carentes do planeta. Para o test drive procuramos a ONG Sertão Bras, que luta para implantar o tuk-tuk por aqui. Na garagem da ONG encontramos um deles, amarelinho, cheio de bossa. E para ganhar as ruas convocamos o piloto mezzo-sikh, mezzo-paquistanês Alex Singh, que, disfarçado de Alex Cassalho, desempenha a função de editor de arte de nossa intercontinental Trip. Sem delongas, Alex Singh tirou de sua kurta (pijamão clássico indiano) uma carteira internacional de habilitação da categoria A, a mesma das motos, que lhe permitiria conduzir o tuk-tuk com intrepidez.
Iniciamos nossa saga pelas ladeiras do bairro paulistano do Pacaembu. Com motor de 150 cilindradas, o bólido se esgoelava nas subidas. Com seu turbante ancestral, Alex Singh reclamava das marchas, pois o tuk-tuk pilotado em Rawalpindi, Lahore e Islamabad era equipado com quatro marchas, ré e motor de um cilindro, do tipo dois tempos. Entendia perfeitamente a colocação de Mr. Singh, afinal os de lá eram mais preparados para o trânsito: nosso modelo segue o padrão dos tuk-tuks peruanos e tailandeses, bem diferente daqueles que circulam pelas ruas de Índia e Paquistão. Quando chegamos na superfície lisa e plana da avenida Dr. Arnaldo, nosso tuk-tuk perdeu a timidez e deslizou solenemente. A aparência exótica do tuk-tuk exalava curiosidade. O escudo e parte da cabine são de metal. Suas laterais e o teto, cobertos por uma lona plástica amarelinha, igual às capotas de jipes e buggies. Bem jeitosinho. Suas janelas são de plástico transparente e móveis. Em outras palavras, uma charrete sofisticada, motorizada e completamente diferente dos veículos que todo mundo está habituado a ver no Brasil. Mr. Singh bufava de prazer ligando, desligando e engatando o tuk-tuk com o pé. Em êxtase, balbuciava palavras em punjabi, urdu, inglês e dialetos camanducaienses.
No farol vermelho, uma senhora de cabelos rosa bebê tomou um susto e borrou a maquiagem de tanto gargalhar
Entendi apenas quando iniciou um reza forte para o patriarca do siquismo, o guru Nanak. Cortei sutilmente suas orações e pedi para continuarmos logo nossa saga, pois uma marronzinho (fiscal de trânsito) se aproximava. Segundo o fabricante (Motocar) o modelo transporta dois passageiros mais o motorista, e atende a resolução 129 do Contran: “A circulação do triciclo automotor de cabine fechada está restrita às vias urbanas, sendo proibida sua circulação em rodovias federais, estaduais e do distrito; Art. 2. Para circular nas áreas urbanas, sem a obrigatoriedade do uso de capacete de segurança pelo condutor e passageiros, o triciclo automotor com cabine fechada deverá estar dotado dos seguintes equipamentos obrigatórios: freios de estacionamento e de serviço, pisca, cinto de segurança, para-choque traseiro, buzina, velocímetro, limpador de para-brisa, extintor de incêndio, faróis, lanternas e iluminação de placa traseira”. Nossa MTX 150 amarelinha possuía tudo isso e ainda, de quebra, freio a disco na frente e rodas de liga leve.
Na avenida Paulista, o trânsito literalmente parou pra nos ver. Seguíamos conduzidos por um fluxo contínuo de buzinadas, acenos, beijinhos e pedestres fotografando com celulares. Com muito garbo e elegância, Alex Singh cumprimentava a turba enlouquecida. A todo momento, manifestações de afeto e surpresa. Uma senhora de cabelos rosa bebê, sentadinha em um Honda Fit no sinal vermelho, tomou um susto e borrou a maquiagem de tanto gargalhar. Queria saber o preço do bólido de três rodas. Disse que custava R$ 8.950 em Manaus, mas que no Peru saía pela bagatela de R$ 2 mil. A senhora ficou ouriçada com a informação, parecia mesmo querer um. Na Oscar Freire paramos para abastecer em um posto de gasolina. O consumo médio do tuk-tuk é de 30 quilômetros por litro e o tanque comporta 13 litros. Em seguida, paramos em frente ao hotel Emiliano, deixando manobristas e seguranças embaraçados. Não sabiam o que fazer diante daquele paquiderme diferenciado. Conclamei Mister Singh, que com um estrondoso “Yes, Siiiirrrr” engatou e partiu sorridente.
A tarde caía e, em meio a um trânsito pesado, navegávamos pela rua Estados Unidos vagarosamente. Minha memória reluzia lembrando dos antepassados do tuk-tuk. Segundo historiadores, o vocábulo “riquixá” vem da palavra japonesa jinrikisha – que significa “veículo de tração humana”. Os primeiros surgiram em Tóquio em 1868 e facilitaram a vida na cidade. Foi um sucesso. Em 1872 circulavam mais de 40 mil riquixás nas ruelas da capital japonesa. O exemplo espalhou-se por toda a Ásia, transformando o transporte público local para sempre. A evolução seguiu para os clico-riquixás antes de chegar aos triciclos motorizados.
Rolê, sim; táxi, não
Mesmo mostrando-se uma coqueluche em nosso giro, por aqui o veículo vive na clandestinidade, as montadoras não demonstram interesse. Não dá para concorrer com os automóveis, mas poderia ser um bom transporte para áreas de difícil acesso nas periferia das grandes cidades ou em localidades sem transporte público.
Voltando à nossa prazerosa epopeia, era a hora de rumar para o final. De volta à sede da Sertão Bras, a diretora Li An, entusiasta do tuk-tuk, concluiu: “Existem até modelos a gás ou movidos a energia solar. Mas tem muitas dificuldades, como o fato de que nenhuma seguradora quer proteger este amarelinho. A lei atual no Brasil permite que ele circule, mas não que seja utilizado como táxi. No Peru este indomável triciclo revolucionou e facilitou a vida de milhões de pessoas. Circulam mais de 500 mil mototáxis pela selva, costa e serra. Além da economia, leva passageiros, cargas e protege as pessoas do sol, do vento e da chuva a preços módicos”.