NA INTERNET, A LEI DO “VENCEDOR LEVA TUDO” NÃO FUNCIONA; AQUI, QUEM AGREGA PESSOAS EM “NICHOS” CAPTURA O VALOR EXTRAORDINÁRIO GERADO QUANDO SE JUNTA MUITA GENTE COM INTERESSES COMUNS
POR RONALDO LEMOS*
Há pouco tempo, o site de relacionamentos Facebook chegou a ser avaliado em US$ 15 bilhões. Essa quantia, dez vezes maior do que foi pago pelo YouTube, refletia o enorme sucesso do site. Ele não só começou a atrair gente que nunca deu bola para redes sociais, mas também começou a surrupiar usuários de outras redes, como o MySpace e mesmo o “brasileiro” Orkut. Graças a uma bem-sucedida reformulação, o Facebook saltou de uma posição de coadjuvante na internet global para se tornar o sétimo site mais acessado do planeta. Curiosamente, foi a partir desse sucesso rápido e extraordinário que problemas começaram a surgir.
Dificilmente o site encontraria hoje alguém disposto a repetir a avaliação multibilionária de outros tempos. Uma das razões para isso é que, contrariamente ao senso comum, o valor de uma rede social não está na quantidade de pessoas que fazem parte dela, mas sim na “qualidade” dessas pessoas. O valor das redes sociais na internet está relacionado não somente às pessoas que é capaz de atrair, mas também àquelas que é capaz de excluir. Pode parecer contraditório, mas o que as pessoas buscam nas redes sociais é a flexibilidade para navegar em “nichos” sociais diferentes.
Por causa disso, o primeiro problema no Facebook surgiu quando ele passou a atrair pessoas de “nichos” completamente diferentes. Por exemplo, o adolescente que se inscreveu no site em busca de uma namorada logo descobriu que suas tias-avós também estavam por lá, bem como seus professores, pais e outros “amigos” não tão desejáveis em vista do objetivo de paquerar na rede. Diferentemente da arquitetura original do Orkut, o Facebook é planejado para evitar perfis falsos: o site só funciona se o usuário se inscrever com seu nome/perfil real. Com isso, em sua rápida e avassaladora expansão, o Facebook acabou misturando turmas diferentes, desde conhecidos fortuitos até colegas de trabalho e familiares.
A situação tornou-se efetivamente dramática quando o site anunciou uma agressiva ferramenta de marketing, chamada “Beacon”. O sistema, que não deixa de ser original, partia da constatação de que as pessoas confiam muito mais nas experiências umas das outras do que em campanhas de marketing. Assim, a idéia “brilhante” do Facebook foi estabelecer um regime de parceria com vários grandes sites de compra online. Quando um usuário do Facebook comprava em algum desses sites (que incluíam do Ebay à Blockbuster), o site mandava uma mensagem para todos os amigos daquele usuário sobre a compra efetuada. Isso sem sequer pedir autorização aos usuários.
MUNDINHO
Com isso, de repente, todos os amigos do usuário passaram a receber mensagens informando, por exemplo, que ele adquiriu o mais novo DVD da Ivete Sangalo. Ou seja, de uma hora para outra, seus amigos do Facebook passam a acompanhar sua vida de consumo online em tempo real. Como as pessoas não compram só DVDs da Ivete Sangalo, dá para imaginar que muita gente ficou enfurecida em ter suas compras divulgadas dessa forma.
Todo esse imbróglio ensina algumas lições importantes. A primeira é que na internet muitas regras tradicionais são subvertidas. Nesse caso a regra do “vencedor leva tudo” simplesmente não funciona. A outra é que o mercado abriu-se repentinamente a um processo de segmentação nas redes sociais. Quem conseguir agregar pessoas em “nichos” exclusivos acaba capturando o valor extraordinário gerado quando se junta muita gente com interesses comuns. Nesse sentido, vale ver o site A Small World (www.asmallworld.net), que se pretende uma rede social apenas para pessoas muito ricas e/ou famosas. Se o usuário não se encontra nessa categoria, é melhor nem tentar entrar. Se o site vai dar certo ou não, ainda é cedo para saber. Mas ao menos a aposta na segmentação parece ir na direção certa.
* Ronaldo Lemos é diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV-RJ e um dos fundadores do Overmundo (www.overmundo.com.br)
