O segredo é lutar

Conheça José Aldo Júnior, campeão mundial do UFC e eleito o melhor lutador de 2010

por Caio Ferretti em

Quando Anderson Silva derrubou Vitor Belfort, o UFC focou o rosto de outro brasileiro por ali: o campeão mundial de sua categoria, José Aldo. Conhece? Eleito o melhor lutador de 2010, ele revela os segredos de sua trajetória arrebatadora

O assunto na abarrotada, quente e abafada sala no terceiro andar da academia Upper, no Rio de Janeiro, é um só. Já se passaram alguns dias da chamada luta do século, entre Anderson Silva e Vitor Belfort, mas mesmo assim as conversas ainda são sobre o chute frontal que Silva disparou no queixo do adversário para finalizar o desafio logo nos primeiros minutos. Sobre o tatame que cobre todo o piso da sala, alguns alunos tentam imitar o golpe. É quinta-feira, dia de aula de MMA, o vale-tudo, e na discussão todos querem opinar sobre como o arremate aconteceu. Mas é um rapaz de 1,71 m, um dos menores por ali, quem dá a palavra final e demonstra como a patada, Steven Segal style, foi desferida. Todos respeitam, afinal, ele estava lá, na arena do combate, e viu tudo ao vivo a alguns metros do octógono.

Pouca gente se deu conta, mas além dos brasileiros que subiram no ringue outro lutador do país apareceu na transmissão que rodou o mundo inteiro. Era José Aldo Júnior – que, em poucas palavras, explica por que as câmeras focaram seu rosto no maior evento de UFC (Ultimate Fighting Championship) dos últimos tempos: “É que eu sou um campeão”, arremata. Simples assim, sem falsa modéstia. Júnior, como é chamado pelos amigos, é o atual dono do título mundial do UFC na categoria peso-pena – até 66 kg. Tornou-se um indiscutível destaque no mundo das lutas mistas. E foi eleito o melhor lutador de 2010 pela MMA World Awards, a grande premiação do vale-tudo. Reconhecimento que chegou graças ao incrível poder de combate em pé, com chutes assustadores que já levaram muito adversário direto pra lona.

Seu diferencial está em uma mistura muito bem elaborada de jiu-jítsu com muay thai. “Ele vem da luta de chão, começou no jiu-jítsu, mas sua técnica em pé é impressionante”, revela o treinador André Pederneiras. E que ninguém duvide disso. Em seu combate mais rápido, Júnior apagou o adversário em apenas 7 segundos. Foi esse o tempo que ele precisou para pegar impulso, voar em direção ao oponente e acertar duas joelhadas no rosto num movimento absurdamente veloz. Nocaute imediato. Mais um para sua lista. Em 18 vitórias na carreira, 12 foram desmaiando quem ousou enfrentá-lo. E apenas uma vez ele saiu de cena derrotado.

Ótimos números para quem entrou no MMA completamente por acaso, sem pretensão nenhuma. Aos 14 anos, ele gostava de treinar saltos de capoeira na rua em que vivia, na periferia de Manaus. E, assim, despertava a atenção de algumas pessoas. “Tinha um cara que sempre pedia pra eu fazer uns movimentos, uns saltos. Um dia ele me disse que era professor de jiu-jítsu e me convidou para conhecer sua academia.” Júnior aceitou o convite, mas por um motivo bem peculiar. “Fui mais por causa do tatame. Eu estava acostumado a treinar o lance da capoeira no asfalto duro, e na academia tinha o chão macio. Era bem melhor pra fazer os saltos.” Atraído inicialmente pelo simples conforto do tatame, ele começou a se interessar mais pelo jiu-jítsu com o passar do tempo. E abandonou de vez a capoeira quando ganhou um quimono, algo que não tinha nos primeiros meses – e que o impedia de participar de várias atividades. Depois disso a evolução foi rápida. “Sempre fui muito observador. Então eu já havia aprendido a maioria dos movimentos só olhando os outros fazerem.”

Cama de tatame

Aldo realmente observa tudo. Enquanto conversa com a reportagem da Trip na tal sala da academia Upper, ele não deixa de prestar atenção no treinamento dos companheiros que acontece bem ao nosso lado. Assim, com um olho lá e outro cá, ele começa a contar como não teve moleza na infância em Manaus. Em uma casa de madeira, metade do tamanho da sala em que estamos no momento, ele cresceu dividindo espaço com os pais e duas irmãs mais velhas. O pai, pedreiro, era o exemplo de homem trabalhador em que Júnior se espelhava para não cair no crime. Mas não era perfeito. Bebia muito, principalmente nos fins de semana, e quem sofria era a esposa. “Ele chegava bêbado em casa e batia na minha mãe. Chegou num certo ponto em que ela fugiu de casa sem deixar paradeiro nenhum. Ela esperou a gente ir pra escola e foi embora sem dizer nada. Fiquei muito tempo sem ter notícia nenhuma da minha mãe. Mas entendo o lado dela”, lembra. “Por isso nunca gostei de bebida, ela arruinou uma parte da minha vida.”

José Aldo seria o próximo a deixar a casa da família em Manaus. Os treinos de jiu-jítsu se tornavam cada vez mais sérios – e ele sentiu que precisava fazer as malas para tentar ganhar algum dinheiro com a luta. Aos 16 anos aceitou o convite de seu ex-professor Marco Aurélio Loro, agora no Rio de Janeiro, e, sem nenhum trocado no bolso, desembarcou sozinho no Santos Dumont. Caminhou 5 km, com a bagagem nas costas, até uma academia no bairro do Flamengo onde treinava o grupo de MMA de Loro, o Nova União. Ali seria sua nova casa. Os mesmos tatames que ele considerava macios para seus saltos de capoeira agora serviam de cama para dormir. E ele já não os achava tão confortáveis como antes.

“A gente chamava ali de lixão. Tinha tanta goteira que alagava quando chovia. Lembro que os primeiros dias foram muito difíceis. Eu dormia tarde, quando o último aluno saía da academia, e acordava cedo, quando o primeiro chegava. Era um sobrado que tremia quando os ônibus passavam rápido na rua. Muitas vezes eu acordava chorando, ficava na janela observando os carros e pensando o que eu estou fazendo aqui? Será que eu quero isso?’.” Para comer, trabalhava como copeiro das 12h às 16h num restaurante do bairro. Não ganhava salário, apenas as refeições. E contava com a ajuda do chefe para pagar as inscrições nos campeonatos de luta.

Pra cima do morro

“Machucou!? Tá tudo bem?” José Aldo fica preocupado ao derrubar o companheiro Hacran Dias durante o treino. Ele espera um pouco, respira e segue a atividade pegando ligeiramente mais leve na intensidade dos golpes. Não quer correr o risco de machucar o parceiro que lhe estendeu a mão quando ele mais precisava, um ano depois de sua chegada ao Rio de Janeiro. O dinheiro que ganhava por algumas lutas era insuficiente para bancar um aluguel. E as noites de sono sobre o tatame da Nova União estavam contadas. Ele tinha que sair de lá. Hacran veio com a solução: convidou o amigo de treinos para subir o morro e morar em sua casa, na favela Santo Amaro. “Ele é o tipo de pessoa que não dá trabalho nenhum, não incomoda na sua casa. Ficava tranquilo no canto dele, lavava a própria roupa e se virava em tudo”, lembra Hacran.

A dificuldade de Júnior era outra, a convivência direta com o tráfico que dominava a comunidade. “A boca de fumo ficava bem atrás da casa, tinha tiroteio direto. Algumas vezes tive que arranjar outro lugar pra dormir porque não dava pra subir o morro, a bala estava comendo solta. Mas graças a Deus nunca tive problemas com eles. Depois que me mudei soube que assumiu a boca um cara que não gostava muito de lutadores. Ele dizia: ‘Com lutadores eu resolvo é na bala’.”

Sorte de José Aldo, que já estava morando longe dali. O dinheiro com as lutas começou a entrar com mais frequência – e volume. As seguidas vitórias fizeram o cachê subir. De nocaute em nocaute ele ganhou visibilidade e as cifras ganharam mais zeros. Por duas lutas que fez na Inglaterra, sua primeira viagem ao exterior, recebeu o suficiente para bancar os gastos de seu casamento. E quando passou a competir no WEC (World Extreme Cagefighting, atualmente parte do UFC), graças a bons resultados e bons contatos, a coisa deslanchou de vez. Quanto dinheiro isso significa? Ele desconversa. “Não é muito. Não se comparado aos cachês milionários que lutador ganha por aí.”

Pela simplicidade com que se comporta, parece que ele ainda dorme de favor no tatame de uma academia. Na verdade está no auge, prestes a defender pela terceira vez, em abril, o cinturão mais importante da sua categoria no MMA. A humildade toda só desaparece quando é hora de entrar no octógono. Nessa hora seu rosto ganha outra feição – e a cicatriz que atravessa sua bochecha esquerda, marca de uma queimadura de churrasco na infância, fica mais intimidadora. E começa a ficar mais claro porque esse amazonense baixinho é um dos maiores entre os gigantes do UFC.

Isto é José...

“O José Aldo como lutador é um fenômeno, muito constante e preparado tanto tecnicamente como psicologicamente. Ele é muito confiante e isso ajuda nesse esporte. Suas maiores qualidades são velocidade e agressividade. Como pessoa ele é um cara super tranquilo e engraçado, está sempre brincando e sorridente. Um cara positivo! Quanto ao futuro dele, é continuar campeão, vencendo todos os adversários, e se tornar um grande ídolo no Brasil, assim que o esporte se popularizar mais. Queria ver ele lutar no Brasil!”
Rodrigo Minotauro Nogueira

“O Aldo é um lutador completo. Muito bom em pé, de queda, ágil e rápido. Admirável! Como pessoa é muito simples, prestativo, humilde e, o que poucos sabem, engraçado. Ele vai conseguir manter por um bom tempo esse cinturão e eu desejo a ele tudo de bom, que consiga atingir todos os seus objetivos.”
Lyoto Machida

“É difícil falar do José Aldo porque sou amigo dele. O seu trabalho é incontestável, ele é um grande atleta, muito batalhador e dedicado aos treinos. Desejo tudo de bom porque ele merece. Sua maior qualidade é ser um bom amigo.”
Anderson Silva

Crédito: Jorge Bispo
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Crédito: Divulgação UFC
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Crédito: Arquivo pessoal
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