O que vem pela frente

Ricardo Guimarães: O problema não está nos lugares, e sim na nossa época

por Ricardo Guimarães em

Tem muita gente desnorteada, procurando um porto seguro para viver. Mas o problema não está nos lugares, e sim na nossa época. Vivemos um período de transição, em que convivem barbárie e civilização

Eu entendo esta onda de migrações que está acontecendo no planeta, em particular no Brasil. Tem muita gente infeliz e desnorteada procurando um porto seguro para viver. Tenho amigos que estão pensando em Suíça, Dubai, Uruguai, Inglaterra e EUA. Alguns falam em tom de ameaça ao Brasil: “Se não melhorar, eu mudo”, como se o país fosse um fornecedor de cenários onde eles, como clientes, colocariam sua fortuna, grana e destino. Entendo quem busca segurança, mas tem que ficar esperto para não perder a sensibilidade quanto à moeda com que se paga o preço: começa com dinheiro, depois liberdade e, finalmente, felicidade.

Mas, escolhas individuais à parte, afinal cada um tem suas razões para mudar do Brasil – como o Pizzolato, que tem as dele, o Neymar as dele e o Lemann as dele –, o fato é que, por um bom tempo, não haverá um porto seguro neste planeta porque o problema não está nos lugares, e sim na época. Vivemos a transição de uma vida lenta, local e mal informada para viver com mais informação, mais velocidade, mobilidade e globalidade. Em épocas de transição como esta, convivem destruição e criação, medo e entusiasmo, desespero e esperança, barbárie e civilização.

E o Brasil é um palco riquíssimo desta mudança. Neste confuso espetáculo, o desnorteamento das instituições com as manifestações de rua merece destaque. Perplexidade, presunção, manipulação, alienação, cooptação são as atitudes e soluções que governos, polícias, partidos, empresas e instituições conseguem expressar. Sua linguagem de comando e controle apoiados na hierarquia não entende a linguagem da rede, horizontal, caótica e espontânea dos indivíduos conectados por tecnologia e documentados pela imprensa.

“Barbárie e civilização” na capa de Veja sintetizou com brilho o que é viver um momento em que o mundo não funciona mais como funcionava e ainda não funciona como vai funcionar. A novidade é que não são mais as pessoas que mudam a história, mas a tecnologia na mão das pessoas. Onde está o poder de Snowden se não está na rede?

Luz e escuridão

O julgamento do mensalão não seria o mesmo sem a transmissão ao vivo das sessões. O ambiente muda as pessoas, inclusive quando estão presentes ministros do Supremo. 
Bicho que sobrevive bem na escuridão não aguenta a luz acesa e migra para lugares de penumbra. Ou você tem alguma dúvida de que foi o voto aberto que colocou o Donadon para fora da Assembleia? A luz acesa da Assembleia vai continuar a seleção natural, espantando os bichos que gostam de escuridão. Alguns talvez até deixem o país.

A luz acesa é apenas uma das novidades que minam a segurança sobre a sociedade que conhecemos. Porque todos nós nos acostumamos com penumbra. A gente precisa saber entender como tudo isso funciona para poder usufruir, interferir e evoluir junto, não importa onde vamos viver. Não tem nada de fácil, mas parece bem melhor.

Uma boa trilha sonora para esta conversa é “Alento”, do Marcelo Jeneci. Presta atenção no verso que canta “Tudo se desestrutura pra você se estruturar!”.

O abraço do amigo curioso com o que vem pela frente,

 

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 65, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus

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