O que é ter coragem?
Em 1984 (alô, Orwell), fui o primeiro presidiário do Estado a frequentar faculdade, PUC/SP
Coragem?
Em 1984 (ano marcado, George Orwell que o diga.), fui o primeiro presidiário do Estado a frequentar faculdade, PUC/SP. Em seguida, seguindo o rastro, dois outros companheiros também conseguiram. Cumpríam muitos anos de prisão e possuíamos um histórico parecido.
Simeão era todo contido. Não bebia, não fumava, só vivia para estudos e família. Estava até frequentando igreja evangélica com as irmãs. Rubens não tinha família e seus apoios era eu, minha noiva e Eli, nossa amiga. O sujeito era enorme, fortíssimo e disposto a viver tudo o que vinha pela frente com a maior intensidade possível.
Gostava deles e participava de suas vidas, mas pendia para Rubão que era mais igual e precisava de mim. Embora fossem amigos, discutiam bastante. Simeão achava que Rubens estava próximo demais de nossos amigos ainda envolvidos com crime. Rubens rebatia dizendo que o amigo estava deixando os amigos da tranca em falta, esquecendo que ainda estávamos presos.
A discussão terminava quando começavam a apelar. Afinal, eram amigos; não queriam acabar com a amizade. Simeão acusava Rubens de estar em esquema de malandro porque vivia fazendo favores para os parceiros que não podiam sair. Rubens se defendia afirmando que Simeão havia abandonado velhos amigos. Não era esquema de ninguém, apenas prestava assistência que podia a quem lhe pedisse. Eu os ouvia ora achando que um estava certo ora outro, mas como também fazia muitos favores, apoiava Rubens.
Meses depois, Rubens se afundava em depressão por não ter dinheiro nem para pagar um café para uma garota (nós lhe dávamos o da condução). Simeão debatia acusando-o de estar se deixando seduzir pelo crime novamente. De repente mudou a diretoria da prisão. Havia chegado a linha dura; um delegado de polícia seria nosso diretor. A repressão começou por nós. Exigiram horários mais rígidos, diminuíram nossa liberdade e impuseram um monte de disciplinas. Voltamos a ser “presos” novamente. E era essa a finalidade.
Na nossa primeira saída depois disso, Simeão saiu de mala em punho, como fosse levar roupa para lavar. Despediu-se de nós que protestávamos, sem entender porque ele não podia aguentar mais um pouco conosco. Era tão controlado e posto à prova refugava? Rubens, que tinha todos os porque e ninguém para motivá-lo, seguiu comigo até o fim.
Onde esta a coragem? Naquele que se rebela e decide que tudo vai ter que mudar porque como esta não dá para ficar; ou no outro que segura o impacto, a revolta e passa vida toda paciente, vivendo sua vida de pacato cidadão, e de repente não dá mais? O que é coragem, afinal de contas? De minha parte, penso que não é nada. Apenas nossa força do momento. O momento seguinte é incógnito. Não é seguro confiar, mas é preciso, ah, sim, e como é preciso...
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Luiz Mendes
09/03/2010.