O progresso nos destrói
"Muito além de banqueiros e políticos, o modelo inteiro de civilização está em crise"
Muito além de banqueiros e políticos, é um modelo inteiro de civilização que está em crise. está na cara que somos incapazes de nos reinventar e que caminhamos rumo ao abismo
Até gostaria de acampar todas as noites em frente à catedral de Saint Paul, junto à multidão de indignados londrinos que – como tantos outros indignados pelo mundo afora – está protestando contra bancos e governos corruptos que abaixam as calças para bancos. Mas, não botando mais nenhuma fé na espécie humana, acabo ficando em casa.
Tenho encontrado esse mesmo pessimismo inerte em muitas outras pessoas – talvez, como eu, cavaleiros do apocalipse oscilando entre o indignado e o resignado. Neste começo de século, todos os sonhos e ideologias foram derrotados pelo velho princípio, primário e torpe, de que o lucro está acima de tudo. Mais do que nunca a besta capitalista ficou solta para tudo devorar.
Quantos mais shopping centers de merda cabem no Brasil? Quantas porras de carros e motos podem ainda ser jorrados nas ruas de São Paulo antes de o mundo acabar? Quantas mais toneladas de vômito de plástico descartável e inútil vamos comprar da China?
Queria que pudéssemos continuar a viver sem essa trágica consciência de que o nosso mundo ficou assim tão finito. Com a inocência perdida, resta saber quando, onde e quantos milhões de seres humanos vão ter que morrer antes de reencontrarmos um possível fio da meada. Não é à toa que, nessa imensa cacofonia, as únicas vozes coerentes são as da imbecilidade do fundamentalismo religioso. Este começo de século é simplesmente muito careta e nauseante.
Quero ser um velho enganado. Quero não estar entendendo nada. Gostaria muito de acreditar, como acreditam os ocupantes de Wall Street, que o mal é remediável. Desejo muito boa sorte para os protestos, que acima de tudo são justíssimos. Que eles proliferem, que ocupem com novos sonhos não só ruas e praças, mas também parlamentos e palácios de governos.
Debaixo do cobertor
Mas, muito além de banqueiros e políticos, é um modelo inteiro de civilização que está em crise. É a própria ideia de progresso que está nos destruindo. Está na cara que somos simplesmente incapazes de nos reinventar e que caminhamos como sonâmbulos em direção ao abismo. Espero pelo fim dos tempos aconchegado debaixo do meu cobertor de lã.
*HENRIQUE GOLDMAN, 48, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles. Seu e-mail é hgoldman@trip.com.br