Na medida em que vou avançando na idade, vou sentindo o peso da responsabilidade que ela trás. Errar já não pode ser um fato normal da vida. Somos quase que obrigados a acertar porque seremos julgados segundo nossa idade. O respeito com que pensávamos seríamos tratados não existe; para os mais novos somos ultrapassados. Nossa opinião deixa de ter valor. É preciso continuar como se não envelhecêssemos nunca, para ter valor.
Eu continuo o mesmo. Aos 63 anos frequento academia, trabalho com computadores e meu celular é de ultima geração. Meu corpo esta respondendo ainda, mas já apresenta sérios problemas. Vou ao hospital, faço exames clínicos e tomo os remédios indicados pelo médico. Não pretendo me manter jovem, sei que é impossível, mas me esforço para me manter ativo, válido.
O peso da idade me fez reconhecer que não haverá um mundo melhor, enquanto não formos capazes de ver e sentir todas as pessoas, desde o mendigo até o pior dos criminosos como seres humanos iguais a nós. Sujeitos à mesma condição humana nossa, usando o banheiro, vivendo, amando, odiando, sendo felizes ou infelizes como todos. E já não é suficiente dizer que somos iguais; é preciso agir para que os outros possam acreditar nisso também.
É ai que pesa a idade: a consciência de que perdemos tempo e que todos perdem tempo e que, como gastamos esse tempo é todo o tesouro que podemos acumular. Não existe vitória sobre os outros. Isso não satisfaz a nossa necessidade humana de vencer. As única vitórias possíveis são as que conseguimos pelos outros, com os outros e em competição conosco mesmo em prol dos outros. Só quando envelhecemos e estamos além da paixão, é que percebemos que todo homem é digno de consideração e respeito porque todos são capazes de amor e de perdão. Claro que existem os doentes, os psicopatas, por exemplo. Mas esses são dignos de tratamento e não de ódio ou desrespeito.
Hoje sou capaz de imaginar a dor dos outros e sentir profunda compaixão por cada um daqueles que sofrem e até sofrer junto. Pesa, mas essa é a parte que mais dou valor em mim; é minha vitória sobre mim mesmo. Concluo que esperar que Deus faça alguma coisa que transforme nossa vida em algo melhor do que ela é, não é fé e sim superstição. Só a nós cabe a ultrapassagem. São nossos esforços para combater o egoísmo, a ambição, o apego e outras mazelas humanas que faz com que nossa vida seja melhor do que tem sido.
A vida não é algo que se tem, antes é algo que passa e nos desafia a agir. Não podemos nos permitir a ser produtos das leis de mercado e ceder à pressão do consumismo para sermos vendidos ou comprados. Não podemos materializar nossos sentimentos em coisas; amar utensílios domésticos mais que pessoas. Isso é perder tempo e é ai que a idade pesa porque não há para passar nossa experiência e conhecimento para os outros. Exaspera ver como as pessoas gastam seu tempo com tantas bobagens. Vão ter que sofrer como nós sofremos, ou até mais, para perceber que as pessoas são infinitamente mais importantes que coisas. Claro que elas nos esgotam com suas decepções, mas isso ocorre porque formamos expectativas sobre elas. Esquecemos a condição humana. Não há promessas que se cumpram, muito menos garantias; o que existe são possibilidades para se criar oportunidades.
A relação com os outros não pode ser somente um processo de elaboração intelectual abstrata. Antes é preciso que seja uma ação pensada e sentida. Mesmo que tudo ameace acabar, a nós compete fazer alguma coisa e, se não formos nós e se não for agora, quem e quando será? Não podemos continuar a ser esse universo de pessoas abandonadas cada um à sua sorte. Os outros não são o inimigo que nos impedem de ser o que queremos ser. Antes são aqueles únicos que podem nos socorrer da angústia, do desespero e da solidão de ser tais como somos. Somos tais como cristais frágeis nascidos da transpiração de nossos sonhos. Nada nos é dado pronto e acabado. Juntos nos tornamos personagens de nós mesmos em busca de construir aquilo que devemos ser. Os outros são o meio e o fim e esse é todo o peso de toda nossa responsabilidade em existir.
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