O outro vício da cracolândia
Políticos e obras faraônicas fazem tão mal quanto o crack e impedem real revitalização.
Quem não leu ou assistiu nos últimos anos alguma matéria grande sobre a revitalização da Cracolândia? Pelo menos uma vez por semestre o governo lança projetos habitacionais, evacua hotelzinhos usados pelos dependentes, lacra estabelecimentos irregulares e promete dar vida à região. Sob flashes e câmeras de TVs, os políticos mostram maquetes de grandes teatros, mega museus, hiper centros culturais. Fazem um estardalhaço danado. O papo é tão bom eu soube de alguns candidatos que ganharam uns votinhos falando da transformação da área. Quanta balela.
Agora, com a divulgação da terrível situação do tradicional colégio Liceu Coração de Jesus – que desmorona junto com a região - o tema volta à baila. Ainda não vi nenhum dos sorridentes representantes públicos que tanto falaram da Cracolândia em suas trajetórias políticas, se manifestarem sobre o tema.
A verdade é que nada do que foi anunciado deu certo! Os fantásticos empreendimentos culturais construídos, são freqüentados por uma elite que passa pelo bairro dentro de carros blindados, os incentivos para implantação de escritórios e comércio na área foram pífios e o pior: a região continua cheia de pedras de crack e usuários dependentes definhando pelas calçadas.
Não há revitalização sem gente ocupando espaços, andando pelas ruas, dando vida aos locais. Não acredito que a construção de um elefante branco qualquer vá gerar esse tipo de situação. Além disso, acho que a vocação de São Paulo é revitalizar através da agitação cultural, que cresce tanto na cidade. E essa agitação é feita pela vanguarda da cultura, novos artistas e produtores de cabeça aberta para o novo . Eles deveria ser os primeiros a serem envolvidos no processo.
Enquanto milhões de reais são torrados na Cracolândia sem qualquer resultado prático, outras regiões da cidade se reinventam com as próprias pernas sem um tostão do dinheiro público. O melhor exemplo está no Baixo Augusta, onde centenas de novos empreendedores e seus negócios voltados para a vanguarda cultural, deram vida à região, geraram empregos, atraíram gente e estão mudando a cara de uma área que era totalmente desvalorizada.
Quando se difunde a vontade de transformação, de baixo pra cima, sem grandes soluções mágicas, mas com muita capilaridade e parceria com a população local, os resultados aparecem. A Cracolândia poderia ser um modelo desse tipo de ação. Rapidamente se transformaria numa espécie de centro de arte contemporânea da cidade, com ateliês, galerias, bares etc. Tudo integrado com o Parque da Luz e aquelas maravilhosos espaços públicos, que hoje só servem para milionários fazerem casamentos luxuosos.
De duas uma: ou os governos ignoram completamente o que está acontecendo em locais como o Baixo Augusta e Barra Funda, ou não conseguem fazer nada que não seja grande, mega, hiper, que custe muito caro e apareça bastante, mesmo que não sirva pra nada. Existe outro vício que acaba com a Cracolândia, e ele vai além do crack. É o vício de políticos por obras faraônicas e nomes em placas de inauguração.