O Navio Negreiro

Livro traz poema clássico de Castro Alves em versão atualizada pelo rapper Slim Rimografia

por Luiz Filipe Tavares em

Castro Alves - Crédito: Desconhecido

"Estamos em pleno mar...douto no espaço

Brinca o luar - doirada borboleta

E as vagas após eles correm... cansam

Como turba de infantes inquieta."

Assim começa O Navio Negreiro, um dos mais importantes entre todos os poemas épicos escritos em língua portuguesa. Criado por um jovem Castro Alves, de apenas 22 anos, o poema tornou-se o símbolo máximo da luta abolicionista no Brasil, retratando a infernal viagem dos escravos retirados de suas terras no continente africano e trazidos acorrentados ao nosso país nos porões dos grandes navios de transporte durante 400 anos.

Através do talento do poeta brasileiro, a história dessas viagens ficou gravada para sempre na nossa literatura, em um texto que continua atual e contundente mesmo depois de quase 150 anos desde sua publicação.

Para marcar as comemorações do dia da libertação dos escravos, neste 13 de maio, a Panda Books convocou o rapper Slim Rimografia para um desafio literário: fazer um rap no molde do poema épico de Castro Alves, atualizando-o para aproximá-lo da linguagem urbana das gerações de hoje. O resultado foi a publicação dessa belíssima nova edição de O Navio Negreiro, que além de contar com o texto integral do poema de Castro Alves e a nova versão de Slim, ainda traz um ensaio do antropólogo e cientista político Dr. José Luís Solazzi e ilustrações fotografadas de grafittes do grupo Opni.

"Primeiro de tudo, foi um desafio enorme fazer isso. Eu já era fã do poema, conhecia o trabalho do Castro Alves há bastante tempo e já admirava bastante. Foi uma oportunidade muito interessante", comentou o rapper Slim Rimografia em entrevista à Trip. "Querendo ou não, acho que o rap é a linguagem mais próxima do que ele fez. É o estilo de música que mais aborda esse tema. Foi muito bom poder fazer essa releitura, apesar da dificuldade."

Equipe Opni pintando os grafittes que ilustram o livro - Crédito: Divulgação/Panda Books

Difícil também é medir o impacto das palavras do poeta nas pessoas que leem O Navio Negreiro pela primeira vez. A cada associação de imagens, a cada estrofe, a cada rima, a miséria desses homens e mulheres que passaram o resto da vida sendo tratados como mercadoria vai ganhando mais contornos. E é quase uma afronta quando você percebe que, mais de 120 anos depois da assinatura da Lei Áurea pela caneta "libertadora" da Princesa Isabel, o navio negreiro continua navegando. Se não literalmente cruzando os mares, com certeza refletido nas favelas, periferias, presídios e camburões dentro de nossas próprias cidades.

"Eu já ouvi a Dona Edith recitá-lo algumas vezes na Cooperifa, já vi ele aparecer algumas vezes em alguns sarais e a reação das pessoas é sempre interessante. Quando eu li a primeira vez eu achei incrível. É um poema muito bonito apesar de ser algo tão triste", continuou Slim.

Apesar de não se tratar de um livro juvenil, a versão da Panda Books para O Navio Negreiro é ideal para os adolescentes. Com diagramação moderna, belíssimos exemplos de street art ilustrando as páginas e a linguagem certeira tanto de Slim quanto do Dr. Solazzi, o livro une o útil ao agradável agregando ainda mais valor ao poema épico de Castro Alves. Aproximando a poesia de nossa realidade atual, o livro é um presentão para qualquer um que queira motivar um jovem a se interessar por poesia e, nas palvras do próprio Slim, pensar no "absurdo que é a normalidade com que as pessoas viam a escravidão."

Mesmo tendo escrito a mais bela e tocante obra brasileira acerca da escravidão, Castro Alves morreu sem ver a assinatura da Lei Áurea, ainda muito jovem, com apenas 24 anos de idade e vítima da tuberculose. Para Slim Rimografia, entretanto, ele não é o único abolicionista que deixa o mundo sem ver a sociedade livre da escravidão. 

"Hoje, a senzala só é mais longe das casa dos senhores. Está nas periferias, longe dos centros urbanos e dos mais ricos. O navio negreiro de hoje é o ônibus lotado de trabalhadores, na sua maioria afro-descendentes. É difícil acreditar no fiml da escravidão. Mas esse poema está aí pra isso: mostrar de uma maneira atual que o navio negreiro mudou de nome e virou o busão lotado.", finaliza Slim.

O Navio Negreiro - Crédito: Divulgação/Panda Books

Livro: O Navio Negreiro

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