O humor negro do engano

por Luiz Alberto Mendes em

 

O  Estupro

 

Era uma situação limite. O casal de amantes estava sob pressão total. Haviam planejado aquele encontro via internet. Ela, casada e mãe. Ele solteirão e convicto. Ela sonhos, fantasias e parecia tão bom. Ele frustrando-a depressa e cheirando Avon.

E de repente a voz chamando à porta:

_ Aqui é da portaria. Temos um recado a dar.

Um olhou para o outro. Ninguém sabia que estavam ali. Seria o marido? Estremeceram juntos. Com os olhos ela o comandou até a porta, enquanto se enrolava na colcha rósea.

Quando girou a chave já sentiu a porta estremecer ao seu encontro. Bateu com as costas na parede, enquanto eles entravam explosivos. A arma automática na mão do mais magro dizia tudo. Polícia ou ladrão? O mais alto não solucionou a dúvida quando quis saber do dinheiro e das jóias.

Olhando mais atentamente, dava para perceber. Estavam mal vestidos. Não tinham paletós de couro, unhas feitas e a pele era um pecado: cheia de cravos, espinhas e manchas. O magro não tinha os dentes de cima. Sua fala era “afofada”, assim murcha. A calça do mais alto estava curta, tipo “pula brejo”. Com certeza, policiais não seriam.

_ Demorou com essa carteira ai e a chave do carro, ô seu otário, vai, vai, anda logo senão entra na porrada...

_ E a “moça”, cadê a bolsa, não vai dizer que deixou no carro?

_ Não, moço, esta aqui. Por favor, pega ali em cima daquela cômoda ali, ó...

Ela estremecia em sua nudez chocolate em baixo das cobertas. O medo do estupro era um grito estampado na cara.

_ Ah! Carteira recheada, hem bonitão? Ia bancar a putinha ai?

_ Não, pelo amor de Deus, ela não é puta. É mulher casada e mãe de filhos, não lhes façam mal...

_ Uai... E não é isso que é puta? Mulher casada que anda com outros homens? Quem falou aqui em fazer mal para a moça?

Os olhos de fogo, carregados na maldade do assaltante maior, denunciavam a falsidade das palavras. Malícia pesada se esparramava impregnando o ambiente. O mais magro apoderou-se do dinheiro, cartões, relógios e jóias do casal. Em seguida colocou tudo em uma sacola plástica de supermercado e ficou vigilante na porta.

Havia algo ainda. E o assustado rapaz podia imaginar o que seria. Enquanto os ladrões confabulavam na porta, ele falou baixo:

_ Meu bem, você vai precisar ser forte.

_ Por quê?

Respondeu a garota já completamente apavorada.

_ Amor, você vai ter que ser forte porque esse sujeito alto vai querer te estuprar.

_ Não, não pode ser. Não senti que estivesse com essa intenção. Uma mulher sabe quando um homem a quer.

_ Você não percebeu porque esta assustada. Mas eu vi, ele nos olhava com olhos maldosos... Concentre-se, amor, pelo amor de Deus. Não resista, relaxe. Não tem problema entre nós, mas não deixe ele te machucar...

_ Só falta você falar pra eu gozar também... E você não vai fazer nada? Vai deixar ele me estuprar?

_ Fazer o que, meu bem, tomar um tiro na cara. É isso que você quer? Que eu morra tentando o impossível?

Rolava essa insólida conversa, quando o assaltante mais alto saiu. Ambos ficaram à mira do ladrão mais magro. Reparando bem, o homem parecia acabado, velho e doente. Tossia uma tosse de cachorro, ruidosa. Mas assim mesmo assustador. Quando o mais alto voltou trazia algo nas mãos. Foi até a mulher, segredou algo ao ouvido e seguiu para o banheiro.

A mulher foi levantando, arrepanhando a colcha que a envolvia e saindo da cama. Seu parceiro aproximou-se ansioso, sem entender:

_ O que foi que ele lhe disse, meu bem? O que foi?

Ela o olhou com olhos de compaixão.

_ Ah, meu querido, cê não vai acreditar, mas ele disse que era homossexual. Havia ido buscar vaselina no carro. Queria que eu saísse da cama porque vai estuprar você aqui. Fica frio, relaxa, meu bem...

                        **

Luiz Mendes

09/02/2011 

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