O elo perdido

Resgatamos a história da influência jamaicana na origem do hip hop

por R. Costa em

The Sugarhill Gang - Crédito: Reprodução

Numa convergência de fatores surgiu o rap no final dos anos 70: Sugarhill Gang com o "Rapper's Delight", Afrika Bambaata e os quatro pilares do hip hop (música, dança, DJ e grafite), o grupo novaiorquino de poetas The Last Poets e sua spoken word uma década antes. É tudo bem documentado mas sempre há uma lacuna: o papel da Jamaica nisso tudo. A influência caribenha no hip hop é sempre mal explicada e até agora não há nenhum material que faça essa ponte de um jeito convincente. Novamente, até agora.

Há dois pontos pra entender essa relação Kingston-Bronx com facilidade: o toasting e a migração caribenha a Nova Iorque. Toasting, ou deejaying, é a versão jamaicana de improvisar em cima de uma base. No caso, um disco com músicas predominantemente instrumentais ou remixadas para ficarem assim.

Em Kingston isso começou nos anos 50 com Count Machuki, o primeiro deejay que se tem notícia. Ele trabalhava tocando R&B para o sistema de som de Coxsone Dodd, a Sir Coxsone Downbeat, quando este pediu para anunciar as músicas como faziam os disc jóqueis de rádio americanos. Daí começou a ir além das introduções das música, tomando para si o papel de mestre de cerimônias e enfiando versos seus no meio das músicas, bem como os peps, aqueles barulhinhos com a boca que geralmente se ouve no ska.

Lloyd Barnes - Crédito: Reprodução

Agora pulamos dos anos 50 para o meio dos 60, quando um cantor de backing chamado Lloyd Barnes passava boa parte do seu tempo no estúdio do Duke Reid, o Trasure Isle. Lá foi a escola para quando se mudasse para a Grande Maçã em 67, onde se juntou a outros imigrantes jamaicanos e montava festas de rua com o som da ilha. Em 73, criaria o estúdio com seu nome de guerra de quando era selecter, Bullwackie ou Wackies.

Baseado num porão do Bronx, o estúdio começou gravando os músicos que moravam na cidade assim como imigrantes e depois a chamar as estrelas jamaicanas para gravar. Caras como Johnny Osbourne - mais tarde um dos primeiros a usar o pioneiro do riddim digital, o Sleng Teng - e parte do Congos fizeram umas pedradas por lá que valem a pena ouvir. Lá tinha um som próprio com um baixo pesado e um estilo propositalmente lo-fi que mais tarde seria notado no início do hip hop.

Em 77 Barnes abre a Wackie's House of Music, uma loja de disco que servia como ponto de encontro para os artistas imigrantes. Porém, não só eles se interessavam pelo som, e quem comprava na loja de dia ia nas sound systems à noite. Um frequentador habitual era o também imigrante jamaicano DJ Kool Herc, que chegou a Nova Iorque em 68, aos 13 anos de idade, e trabalhava nas systems imitando os deejays falando em cima dos discos. Gravou um dos primeiros raps, o "Wack Rap", lançado pela Wackie's em 79, mesmo ano de "Rapper's Delight".

Ufa! Agora chegamos ao ponto e, finalmente, ao proverbial elo perdido concreto da influência jamaicana no rap: "Wack Rap" foi cantado por um jamaicano em Nova Iorque, na época do primeiro hip hop, já usando o termo rap e, mais importante, sem vocalização de toaster, mas um flow de MC! Apesar do estilo de cantar contrastante, a base é uma mistureba meio dubby reggae acelerado com um baixo peso pesado, enfiando poucos samples digitais.

Obviamente o objetivo desta não é invalidar o funk e a poesia do início do gênero, mas acrescentar e contar direito a história de como os jamaicanos ajudaram no seu nascimento. Há também que notar que muitos selos estadounidenses especializados em reggae lançaram rap, bem como o inverso, mas isso fica pra outro dia.

Infográfico: O dedo jamaicano no nascimento do hip hop - Crédito: Coletivo Action
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