Walter Salles Junior merece reverências. Não só pelo filme digníssimo que apresentou ao Brasil essa semana. De cara, qualquer um que tenha nascido há cerca de três décadas no Brasil e tenha conseguido preservar a sanidade mental e algum equilíbrio merece respeito. Trabalhar, construir produzindo e não se entregar à ‘playboyzagem’, à cocaína, ao ócio ou à corrupção moral e material já é mérito suficiente. Afora tudo isso, deve ser no mínimo pesado nascer herdeiro.
Antes de deixar a maternidade, uma Samsonite cheia de planos para sua vida já espera recheada no quarto do bebê. Além do destino pré-desenhado, pastas e pastas de histórias que você não encomendou vêm penduradas no sobrenome estampado na certidão de nascimento. O status de ser ‘filho de bacana’ quase nunca compensa a discriminação e o preconceito que vêm rebocados.
Não conheço o cineasta, mas vejo, ao longo dos anos, seu nome sempre associado a trabalhos de excelente intenção, cheios de dedicação, empenho por qualidade e a dose exata e necessária de ingenuidade.
A impressão ao assistir TERRA ESTRANGEIRA é que sua carreira cumpriu o rito de passagem de uma adolescência sadia para a maturidade.
Só quem chega a esse departamento da vida profissional teria a manha de entrar em cada uma das salas onde convidados ‘especiais’ aguardavam o início da sessão e conversar com humildade e convicção agradecendo a quem ajudou e explicando algumas pequenas falhas nas cópias que seriam exibidas. A ausência total de afetação no falar, nos gestos e até nas roupas simples ajudou a calar o bando de deslumbrados que ainda acham que ser artista é sair à noite com uma boina e calças curtas, fantasiadas de Tintim. ‘Uma coisa undergroud’.
O filme foi precedido de um belíssimo documentário que contrapõe a vida do artista Franz Krajcberg à de uma presidiária apaixonada por seu trabalho. Registro de alto valor e que por si já seria suficiente para elogios e, mais importante, já faria qualquer um orgulhoso de ser brasileiro. Se não pelo Brasil que expulsou Krajcberg do paraíso mostrado no documentário ou que mantém um sistema penal putrefado e cruel, sim pelo Brasil que já sabe ao menos olhar para si com compaixão e poesia.
O longa metragem entrou em seguida e mostrou que a união de Walter com Daniela Thomas deu muito certo. Consta que ela ajudou a rever o roteiro e imprimiu a qualidade de seu material visual à capacidade criativa e de produção de Walter. O resultado é um filme de ótima qualidade, bons atores com seus desempenhos puxados ao máximo por uma direção firme que sabe o que faz.
O suspense, quase nunca presente nos filmes nacionais, vem na dose exata e mantém os globos oculares silkados nas telas que mostram um preto e branco combinando com as ruas de São Paulo e as vielas e lugares ao redor de Lisboa.
Fernanda Torres é precisa, emociona, extremamente sensual mesmo sem se quer aproximar-se da beleza FORDELITE.
Fernando Alves Pinto convence muito como garotão brasileiro que se joga na Europa pela porta dos fundos, alternando momentos de auto-confiança com insegurança absoluta. O ator negro que faz o vagabundo angolano, seja quem for, merece o Oscar, O Moliere, o Caboré, o Troféu Imprensa, qualquer coisa dourada. Sua performance é genial. O ator português que faz o dono da livraria protetor de brasileiros é perfeito e deixa o espectador com pena, apaixonado, com dúvidas sobre suas intenções (hetero, homo ou assexuais?).
Como disse brilhantemente o ‘joker’ das palavras José Simão dia desses, até quem foi para não gostar gostou.
Por conta do sarcasmo, ouvia-se no salão do Espaço Banco Nacional que a fita estava sendo exibida em todas as salas porque agora o cinema é do Unibanco. Bobagem.
Por falar em banco, apesar da origem, Waltinho parece ter preferido seguir o lema do concorrente. Só há um rótulo no qual se encaixa com brilho: gente que faz. Bem feito