Nosso desafio é a reeducação
Ricardo Guimarães: "A sociedade precisa se transformar como a lagarta que vira borboleta"
Caro Paulo,
Semana passada, depois de um dia intenso e longo, com reuniões em lugares diferentes e distantes que me obrigaram a cruzar essa cidade poluída e congestionada, ainda tive fôlego para atravessar o centro antigo cheio de pessoas semidestruídas pelo crack e assistir às aulas sobre nossa época de dois mestres extraordinários: Zygmunt Bauman e Edgar Morin.
A Sala São Paulo estava lotada de pessoas adultas, ilustres, de óculos e cabelos brancos que foram lá para aprender (aliás, parabéns e obrigado à equipe do Fronteiras do Pensamento e seus patrocinadores Natura, CPFL, Braskem). Os mestres discorreram sobre a reeducação necessária para enfrentar a transformação pela qual estamos passando.
Bauman falou da necessidade de reaprender o que é democracia para uma sociedade planetária interconectada e interdependente, que é bem diferente da democracia de uma pequena e simples cidade grega do século 5 a.C. e da democracia das nações ricas em conflitos sociais e políticos do século 20. Morin, dando sequência e consequência, exemplificou nossa transformação com a que acontece com a borboleta: a lagarta se autodestrói inteira para surgir a borboleta. Não se trata de uma simples mudança – como a de uma lagarta gorda e lenta para uma lagarta ágil e magra –, mas de uma transformação, como um óvulo fecundado virar um Einstein, uma Gisele Bündchen ou um Bin Laden.
A hora da metamorfose
Faz 20 anos que estudo o fenômeno “lagarta/borboleta” e quanto mais me aprofundo mais me surpreendo com a riqueza do que podemos aprender para entender nossa jornada como humanos. Por exemplo, a lagarta é a borboleta jovem. Sua principal atividade é comer, acumular massa física para entrar em processo de metamorfose, momento em que ela perde tudo, peso, patas, até o aparelho digestivo, para ganhar leveza, duas asas e uma nova missão: fazer sexo para procriar e garantir o futuro. Enfim, a borboleta é a maturidade da lagarta.
Acho bom estudar biologia porque ela dá dicas muito seguras e objetivas sobre a vida como ela é, que nem sempre combina com a vida como ela deve ser segundo alguns filósofos e todas as religiões. A biologia me ensina que a nossa sociedade está vivendo o processo de perda, sintoma da transformação. Acumulamos massa física de uma forma muito juvenil, imatura, quase que destruindo totalmente o nosso jardim-planeta. Mas, como programado, a sociedade-lagarta tem que amadurecer e virar borboleta. Precisa mudar seu olhar que só vê comida e o momento imediato para uma perspectiva mais abrangente que inclua todo o jardim e o futuro. Mas, para isso, temos que passar pela difícil, arriscada e dolorosa reeducação.
Tudo o que estamos vivendo de destruição de riqueza, com as crises da economia e com os desequilíbrios sociais e ambientais, são oportunidades de nos reeducarmos, mudar nosso olhar e gerenciar a vida de maneira mais madura, bem-informada e divertida – afinal, a perspectiva de voar, ver o todo e fazer mais sexo é muito animadora, certo?
No dia em que o American Museum of Natural History, de Nova York, inaugurou seu borboletário, eu comprei uma camiseta em que estava escrito: “What the carterpillar calls the end the rest of the world calls butterfly” (O que a lagarta chama de fim o resto do mundo chama de borboleta). Eu concordo: estamos vivendo um fim, o fim da fase jovem da humanidade. Você consegue imaginar a profundidade da reeducação necessária para ajudar a transformação de uma sociedade que ama ser jovem e acumular riquezas?
Ricardo.
*Ricardo Guimarães, 62, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus