No mato sem boceta
Último possível bastião da xoxota livre, a pornografia brasileira morreu
Eu sou O infiltrado – aquele estranho jornalista do History Channel que se dispõe a conhecer diferentes universos sob o ponto de vista um tanto gonzo do sujeito inserido no contexto. Em um dos episódios da próxima temporada da série, fui investigar a indústria pornô.
Não poderia fazer diferente, a não ser me transformando em ator. Minha mulher não ficou muito feliz. Porque se um lutador de MMA precisa subir ao octógono, como eu já havia feito, o ator pornô tem de adentrar a buceta – que aqui eu vou usar com “u”, uma letra aberta, que parece combinar bem com o tema.
Endureci sem perder a ternura, e fui em frente. Vi xoxotas invariavelmente depiladas e interessantes, embora não muito interessadas. Sabe como é: aquilo é trabalho, e nem dá pra ficar no Facebook esperando acabar o expediente.
As pessoas vão se tornando parecidas com o seu trabalho. Na redação de Capricho todo mundo parecia adolescente. Entre as atrizes pornôs, a dissimulação é um lifestyle. Das bucetas que pude ver, uma tentou verdadeiramente me engolir. Mas, creia, a libido não resiste a atuações excessivamente canastronas.
O ponto, no entanto, é: descobri um ambiente onde bucetas estão disponíveis – se não ao bel prazer, pelo menos como instrumento de trabalho. Residiria ali a centelha de uma revolução em que não mais se queimariam sutiãs, mas as próprias calcinhas.
“Hoje o carro está à frente dos bois: querem liberar a maconha, mas a buceta segue proibida”
Residiria porque, uma pena, a indústria pornô brasileira faliu. Culpa da internet, com suas americanas peitudas e suas russas pra apresentar às nossas mães. Culpa do Zuckerberg, que deleta posts sobre o modus operandi da cunilíngua.
Devia ser tudo tão mais simples quando se trata de infiltrar uma buceta... Por que não podemos todos visitá-las livremente? Quem foi que fez dessa caixinha de surpresas toda a problemática freudiana? Eu me lembro do Marcão, meu colega na velha redação de Playboy. Sua namorada, Paula, era uma pessoa interessada em simplificar as coisas. Professora, criara uma cartilha de alfabetização cuja letra V se podia aprender com a frase “Vovô viu a vulva da vovó”. A catequização das nossas crianças teria sido um grande passo para a humanidade rumo ao paraíso das bucetas desimpedidas
Hoje, o carro está à frente dos bois: querem liberar a maconha, mas a buceta segue proibida. Precisamos de um FHC capaz de abraçar a nova causa. Era pra ser o Itamar, que posara com a vulva de Lilian Ramos na Sapucaí. Mas, como a indústria pornô, Itamar também morreu. Estamos no mato sem buceta.
* O jornalista Fred Melo Paiva é autor do livro Bandido raça pura (Arquipélago Editorial) e foi diretor de redação da Trip. Atualmente, apresenta a série O infiltrado, do History Channel, cuja próxima temporada estreia no dia 30 de setembro.