Ninguém precisa de gurus
As pessoas precisam olhar para dentro de sí mesmas. Cada um é o laboratório de sua busca
Caro Paulo,
Eu só tive um guru na vida: o primeiro. Era um padre jesuíta do colégio em que eu estudava. Eu acreditava em tudo o que ele dizia. Eram barbaridades nas quais só uma mente infantil e ignorante como a minha podia acreditar (Não! Ele não era pedófilo!).
Com o tempo acabei concluindo que ele era um ingênuo coitado ou um talentoso enganador. Graças a Deus, quando descobri toda aquela balela e perdi o medo de ir para o inferno, eu já estava em outra e não gastei nem um segundo para saber qual era a dele. Para mim ficou a imagem daquela figura caricatural, dramática, perigosa, bizarra e ingênua, como os vilões de filmes de terror sem talento nem orçamento.
A única coisa boa que aquele teatro ginasial me ensinou foi que eu não deveria acreditar em ninguém. Nem nas pessoas nem nas instituições. Foi uma bendita desilusão. Passei a ter um bode profundo com qualquer autoridade ou hierarquia que representasse algum pensamento, ideologia ou poder instituído. E comecei a me interessar por tudo que fosse marginal, fora de padrão, que não fosse mainstream. Eu agradeço a vida por isso.
Se hoje, aos 61, eu estou aqui trocando ideias com leitores de uma revista que, além de mostrar as gatas quase nuas, mostra também o rei nu, que tem leitores ligados, com atitudes questionadoras e corajosas...se consigo segurar essa onda foi porque décadas atrás eu decidi definitivamente recusar qualquer prato feito que me oferecessem.
EXPERIÊNCIA PRÓPRIA
Tive a confirmação e o amadurecimento da minha revolta quando, nas perambulações pelas marginalidades da vida cristã burguesa, encontrei uns escritos budistas. Um deles que foi definitivo para Buda ganhar a atenção do jovem incrédulo é este: "Não acredite em nada do que falo que não tenha passado antes por sua experiência". Uau! Naquela hora comecei a acreditar de novo em alguém: em mim.
Acordei para a minha importância como laboratório da minha busca. Vi que nada do que estivesse procurando iria encontrar fora de mim, como num guru, num livro, numa igreja, numa ideologia, no alto de uma montanha ou dentro de uma caverna.
Foi uma libertação e um aquietamento da minha alma. Um enriquecimento extraordinário. A partir daquele momento, eu tive muita tranquilidade para ouvir e aprender com todas as pessoas sábias que apareceram na minha vida, fossem amigos, clientes, terapeutas, monges ou padres.
Por tudo isso não acho que as pessoas deveriam ter gurus. Deveriam ter ouvidos para a vida, não importa quem seja o seu porta-voz. Papel, aliás, que você e sua revista desempenham muito bem. Modéstia às favas.
Abraço do amigo,
Ricardo
Ricardo Guimarães, 61, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é rguimaraes@trip.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus