Neymar
Neymar abriu sua casa e seu carro para a Trip e falou sobre drogas, política e namoradas
Como é ter 18 anos, ser convocado pela imprensa e torcedores para a Copa e completamente ignorado por Dunga? Como é ser considerado um gênio precoce por uns e firuleiro por outros justamente por resgatar o estilo que consagrou o futebol brasileiro? Como é ser um adolescente que ganha milhões, tem um carrão zero e é perseguido nas ruas de Santos como um Beatle? Neymar abriu sua casa e seu carro para a Trip e falou pela primeira vez sobre infância, drogas, política e namoradas. Com vocês, o garoto por trás do fenômeno
Neymar entra no carro, espeta um pen drive na saída do som e o R&B de Chris Brown começa a bombar. Muda de ideia, abre o porta-luvas e liga o DVD. A telinha no painel reproduz sucessos do Sorriso Maroto, banda de pagode carioca que estourou nas rádios de todo o Brasil com o álbum Por você, de 2003. Finalmente o garoto de 18 anos começava a ficar à vontade. “Gosto mesmo é de pagode. Conheço até o pessoal do 5ª Essência.” Neymar sai da garagem do prédio de alto padrão no Canal 5 batucando no volante, acelerando gostoso seu Volvo XC60, tremendo carrão de banco de couro e câmbio automático que ganhou de si mesmo há pouco, quando fez 18 anos, agora em fevereiro. “Seus amigos sabem chegar no CT?”, pergunta, olhando pelo retrovisor o carro com o restante da equipe de Trip. “Sabem”, invento. “Então tá”, e passa por mais um farol amarelo/vermelho, ainda mais relaxado, sempre tamborilando no volante e livre de cinto de segurança, até chegarmos ao Centro de Treinamento do Santos, perto da Vila Belmiro.
Era o dia seguinte à vitória sobre o São Paulo, nas semifinais do Campeonato Paulista. Neymar tinha feito dois gols e Robinho um, selando a goleada de 3 x 0, fora o baile habitual da molecada. De lá até o fechamento desta edição ainda viriam o título do Paulistão no jogo épico contra o Santo André, a polêmica com Vanderlei Luxemburgo na Copa do Brasil e os primeiros gols no Brasileiro.
Era a primeira das quatro vezes que desceríamos ao litoral para investigar o fenômeno Neymar. Em Santos, vimos crianças na rua com seu moicano e torcedoras escalando o muro do CT para gritar seu nome (e o de Robinho e o do goleiro Felipe, que tem visual que lembra o das boy bands nacionais). Não dá para andar com o rapaz nas ruas da cidade sem causar tumulto.
Joclécio, jogador de 17 anos da base do Santos, mora com a família de Neymar. “Eu convidei ele”
Naquele dia na cobertura tríplex da família, contudo, o ambiente estava calmo. O garoto, na sala, olhava sem muito interesse as capas dos jornais. Todas com fotos suas comemorando os gols da véspera. Começava a ganhar musculatura em todo o país um movimento informal pela sua convocação e a de seu companheiro de equipe Paulo Henrique Ganso – pipocavam declarações favoráveis de outros técnicos e iniciativas como outdoors nas ruas de Campo Grande, por exemplo. No fim das contas, Neymar e Ganso acabaram entrando para a história dos grandes craques que ficaram de fora das Copas, como, por exemplo, Falcão em 1978 e Neto em 1990. “Tinha esperança por causa da torcida, mas não deu. Vou torcer pelo Brasil na Copa”, disse o atacante, rapidamente, logo após o anúncio de Dunga. Se o Brasil sagrar-se campeão no próximo dia 11 de julho, tudo bem, o pessoal perdoa. Mas, se o hexa não vier, os nomes de Neymar e Ganso voltarão aos noticiários e à boca do povo com vigor renovado.
Naquele dia, os esportivos do almoço nas TVs de plasma da sala e da cozinha festejavam a performance de Neymar da Silva Santos Jr. Difícil acreditar que falavam do mesmo moleque magro e quieto ali na nossa frente, que traçava sem mastigar muito um prato de arroz, feijão, bife e mandioca frita. Com Coca-Cola normal. “Sou magrinho, não tem problema”, brinca e levanta a camiseta. Zanzando ali pela cozinha ou na sala ao lado, um segurança, o pai, também Neymar, sua mãe, Nadine. Faltava só a irmã mais nova, Rafaela. Almoçando com Juninho – seu apelido familiar – está Gilmar, amigo de muitos anos, atleta da Portuguesa Santista que frequenta a casa para jogar sinuca e videogame com o brother famoso.
Além do pai, da mãe e da irmã, mora no apartamento Joclécio, jogador de 17 anos das categorias de base do Santos, que dividia a quadra com Neymar no infantil – categoria para atletas abaixo de 15 anos. “O Jô é de Pernambuco, não tem família aqui e dormia no alojamento do clube. Acabei trazendo ele pra morar em casa”, simplifica o jogador, que o considera “um irmão”. A família vive na cobertura há cerca de um ano, quando deixou a vizinhança da Vila Belmiro, para onde havia se mudado após deixar a periferia de São Vicente, onde já dormiram todos em um mesmo cômodo, na casa da avó do atacante. A morada nova e espaçosa foi o mais recente salto de qualidade de vida do garoto, que, segundo a imprensa esportiva – o Santos não confirma –, ganha mais de R$ 150 mil mensais, fora alguns extras, como um contrato com a Nike. Isso sem contar a bolada de alguns milhões recebida pela família como parte da compra de 40% de seu passe pelo grupo Sonda, há dois anos.
Nossa presença ali na intimidade da família foi possível graças a uma negociação direta com Neymar pai, que só autorizou a visita após conversas por telefone e ao vivo. Quem cuida da carreira, da agenda e de boa parte da vida do garoto é o patriarca, ex-jogador de times como União de Mogi e Paulista de Jundiaí e campeão mato-grossense de 1997 pelo Operário de Várzea Grande.
Neymar tem uma vida de superstar. No treino do Santos a que fomos para conversar com Ganso e o técnico Dorival Jr., por exemplo, mais de cem profissionais de mídia (repórteres, fotógrafos, cinegrafistas etc.) estavam à beira do gramado. Está difícil frequentar shoppings ou andar na rua. Até na igreja batista, que frequenta desde criança, a Peniel, em um bairro afastado de São Vicente, está complicado ser tratado apenas como mais um.
Foi ao som do Sorriso Maroto que furamos de leve esse bloqueio. Nos valiosos minutos no interior de seu Volvo branco, sem pai, mãe, segurança, fotógrafos, TVs nem outros jogadores por perto, uma das maiores sensações do futebol brasileiro hoje, tão bom em driblar perguntas quanto adversários, baixou um pouco a guarda, falando publicamente pela primeira vez sobre a infância pobre, como a fama atrapalha na hora de ganhar a confiança das meninas, a proximidade das drogas, o que é “ser favela” e a única coisa que o tira do sério: acordá-lo puxando o cobertor. “Fico nervosão. Da última vez, saí correndo atrás e taquei chinelo.”
Você estava feliz na Europa? “Não.” Mas iria hoje, se precisasse? “Ah sim, hoje tô mais sossegado”
Você já se acostumou com esse monte de jornalista em volta? [Neymar vai respondendo enquanto almoça, entre uma garfada e outra] Ah, cara, acostumei sim, desde os 15 anos é isso.
Você se lembra da primeira vez que apareceu na TV? Acho que foi de 13 pra 14 anos, nem lembro mais, foram tantas vezes... a última foi no Programa do Jô.
E falta ir a algum programa ainda? Queria o Faustão, mais pra frente vamos ver...
E nessa correria você consegue almoçar em casa como agora? Ah, isso não dá. Só depois de jogo, como hoje.
Tô vendo que você tem furo nas duas orelhas... fez os dois de uma vez? Fiz de uma vez, já faz um ano.
E quer fazer mais? Eu não, vou fazer furo mais onde? [Cutuca o amigo do lado e ri, tirando uma da pergunta, reação que se repetiria ao longo da entrevista.]
É verdade que seu pai não queria que você usasse brinco? No começo ele não deixava eu usar não, mas depois liberou...
Por que não deixava? Ele achava que eu ia ficar meio marrento.
E tem muito jogador marrento? Até hoje eu não conheci nenhum não...
E tatuagem, você tem? Não, nem tenho vontade. E meu pai também não ia deixar eu fazer.
Mas, se você fizesse, tatuaria o quê? Ia fazer o nome do meu pai e da minha mãe. Mas nunca conversei disso com ele não.
Você é de Mogi das Cruzes. Quando veio pra Santos? tem parentes lá? Meu pai jogava em Mogi, então acabei nascendo lá, mas não tenho parente em Mogi não. Vim pra cá com 6 anos de idade. Só voltei pra Mogi uma vez, ano passado, pra um jogo beneficente, mas pouca gente ficou sabendo.
No fatídico 11 de maio, voltamos ao apartamento do Canal 5 de Santos às 14h, uma hora depois da convocação, quando Dunga ainda dava suas explicações na entrevista no hotel Windsor, na Barra da Tijuca. Tínhamos ido ao apartamento pegar fotos de família. Neymar da Silva Santos, o pai, atendia, desolado, um telefonema atrás do outro, com interlocutores mais ou menos revoltados do outro lado da linha – “paciência, agora é torcer pela seleção”, repetia, tentando acreditar no que dizia. Estava por lá também Wagner Ribeiro, empresário do jogador, que deixou o apartamento assim que chegamos. O filho estava no seu quarto, em outro andar, “descansando” – segundo o pai – após ver a (não) convocação com o restante do time, na Vila. O pai nos mostrava imagens de quando ele próprio foi profissional e ia mudando de cidade conforme o time em que jogava. Ia se distraindo com essas lembranças até o telefone tocar pela enésima vez. Desliga, senta-se desolado no sofá enorme em forma de L que domina a sala principal daquele andar do tríplex e lamenta, baixinho: “Poxa, uma coisa tão importante como a seleção brasileira e um homem só decide tudo?”. Histórias de vazamento de lista são comuns, mas desta vez, pelo jeito, não foi o caso. Na casa de Neymar, a esperança durou até o nome de Grafite, o último dos 23 jogadores, aparecer na tela.
De Mogi vocês vieram direto pra cá, Neymar? Saí de Mogi com 3 anos, mas aí moramos no Mato Grosso, meu pai também jogou lá [no Operário de Várzea Grande, cidade da Grande Cuiabá]. Depois que eu vim pra Santos.
E chegou a ver seu pai jogando bola? Da época em que ele era profissional não lembro muito bem, eu era muito pequeno, e não tenho nenhuma gravação...
Você tava ali vendo os jornais... lê tudo que sai sobre você? Não leio nada, tava ali com meu pai na sala e acabei dando uma olhada.
Nem internet você vê? Ah, sim, internet sim.
Tipo joga seu nome no Google pra ver o que vem? Não, não fico procurando...
Mas usa MSN, Orkut, Facebook, Twitter?
MSN eu uso, esses outros não.
E vem cá, você tem segurança? Tenho, olha ele aí. [Aponta para o rapaz alto, forte e sorridente que ouve a conversa encostado na parede da cozinha.]
E dá pra você ir tranquilo a qualquer lugar? A um shopping, por exemplo? Vou sim, mas em shopping é diferente, não dá pra ir. Fui com o [também atacante] André semana passada no Praia Mar [shopping na Ponta da Praia]. Tentamos jantar, mas começou muita muvuca e a gente teve que sair, não deu nem pra comer...
Você tá sempre com segurança porque tem medo de que aconteça algo? Ele fica junto, mas não tenho muita preocupação não...
Achei que você pudesse ficar preocupado porque o Robinho teve aquele problema...(A mãe de Robinho foi sequestrada em 2004 e ficou mais de um mês em cativeiro.) Aquilo com a mãe dele, né? Isso acontece...
E seu carro, por exemplo, é blindado? [Neymar responde tranquilo, mas seu pai, que ouve tudo da sala ali do lado, não gosta do rumo da conversa, entra na cozinha e pede pra “esse tipo de informação” não aparecer na revista. Mudo de assunto.]
Você estudou até que série, Neymar? Terminei o colegial, no Grupo Lupe. [Lupe Picasso, colégio particular de Santos.]
E lá tinha aula de educação física? Tinha, claro, e era futebol só. As meninas queriam jogar vôlei, mas a gente não deixava, tirava a rede e jogava bola na quadra.
Foi aí que começou a aparecer seu talento? Imagina, comecei a jogar com 6 anos. Quando eu tava no colégio, já jogava no Santos.
E o pessoal não ficava em cima na escola, perguntando como era ser jogador, essas coisas? Não, era normal...
Normal? Mas o colega de classe deles era do Santos e da seleção sub-17. Era tranquilo... [Desconversa.]
E você tirava nota boa? Só dez, pô.
Sério? Sério. Estudava em casa, sempre fui estudioso, só tirava dez.
Quando o pessoal vê você aprontando no campo, poderia pensar que também aprontava na escola... Não, eu sempre sentava na primeira fileira, nunca aprontei.
Mesmo? [Olha pro amigo e dá risada] Ah, eu era bagunceiro na escola, mas tirava nota boa.
E em que matéria você ia melhor? História. Contar história é comigo mesmo.
Conta uma pra nós aí, então! [Ri e não conta.]
Só você joga bola na família, Neymar? “Claro, você não quer botar minha irmã pra jogar né?”
Alguém do Santos era da sua classe? Dos que estão jogando agora, nenhum. Acabei conhecendo todo mundo no clube, eles são todos mais velhos do que eu, sou o mais novo do time.
E como você vê essa história de todo mundo querer você na seleção? Acho legal, pô. O povo tá pedindo, vou achar ruim?
Mas você acabou de fazer 18 anos (completou no último dia 5 de fevereiro, e terá 22 anos na Copa no Brasil, em 2014), dá pra ser chamado pra muita Copa ainda... Isso dá...
E qual foi a primeira Copa a que você assistiu? A de 2002, que foi de madrugada.
E você tem lembrança da primeira vez em que jogou bola? Começou direto no santos? Comecei aqui em Santos, no salão. Primeiro joguei um ano no Tumiaru [Clube de Regatas Tumiaru, de São Vicente], aí passei pelo Gremetal [Grêmio Recreativo dos Metalúrgicos de Santos], depois fui pra Portuguesa Santista e só então pro Santos. Tudo no salão.
E como foi essa chegada ao Santos? Eu tinha 12 anos, e o pessoal viu um jogo meu na Casa da Criança, quando eu era da Portuguesa Santista, e me levou pro Santos, primeiro pro salão e depois pro campo, eu jogava as duas coisas.
E foi logo no ano seguinte que você foi pra Espanha? (Em 2006 Neymar foi com a família para a Espanha, passou por três meses de testes no Real Madrid, e só não foi contratado porque a família se preocupou com a adaptação do garoto e decidiu voltar.) Não, foi com 14...
E como foi esse período? Eu ficava com o Robinho direto.
E morava onde? Em hotel. Eu ia pro Real assistir os jogadores treinarem e depois conversava com os caras.
Conversava com quem? Só com os brasileiros. Com Robinho, Júlio Baptista, Ronaldo, Cicinho, Roberto Carlos...
E por que você acabou voltando? Sei lá... meu coração mandou eu voltar pra Santos e eu voltei. [O garoto não se mostra confortável com o assunto.]
Era frio? Sentiu falta de praia? Era frio... mas lá na Espanha também tem praia... acho que eu era muito novo mesmo.
Você não estava feliz lá? Não.
Hoje em dia, se precisasse jogar na Europa, seria diferente? Ah, sim, hoje tô mais sossegado...
Mudando de assunto, de quem você é mais amigo no Santos? Do Ganso. E do André também.
Quando fomos ao treino do Santos conversar com Paulo Henrique Ganso, outro ausente ilustre na lista de Dunga, tivemos que esperar que acabasse uma entrevista coletiva na qual ele encarou uma sala cheia de jornalistas e depois completasse uma rodada de quatro entrevistas para a TV (Globo, Bandeirantes e duas equipes do SporTV). Ganso nos atendeu com a mesma tranquilidade que exibe em campo. “Conheci o Neymar aqui no Santos, na primeira Taça São Paulo [juniores] dele. Era a primeira dele e a minha última. Conversávamos muito, jogávamos bem juntos, era só alegria... Hoje a gente se trata como irmão”, afirma o meia. “Ele tá na minha casa toda hora, ou eu tô na dele. Saímos pra comer, ir ao cinema... mas aí com as meninas, lógico.”
Neymar, hoje você pesa 61 kg, né? Está bom assim? Isso mesmo. Assim tá ótimo.
Se for pra Europa, vai acabar ficando torado... Pra quê? Assim tá bom, pô!
E de onde vem essa história de filé de borboleta? É apelido? Foi o Luxemburgo que me chamou disso, mas não é apelido não, tá louco?
E como era sua relação com o Luxemburgo, era bom treinar com ele? Claro, ele é um dos melhores técnicos do Brasil, aprendi muita coisa com ele. [A entrevista foi antes da polêmica entre o técnico e os garotos do Santos, por conta da eliminação do Atlético-MG na Copa do Brasil.]
E quem é o melhor jogador de futebol do Brasil hoje? O Ganso. [Perguntado, Ganso devolve a gentileza e diz que o melhor é Neymar.]
E do mundo? Messi.
E o Messi teria vaga no Santos? Quem, o Messi?! Claro! [Cai na risada.]
Pô, mas vai tirar quem pra pôr o Messi? Sei lá, ele é o melhor do mundo, em qualquer time ele tem que jogar! [Dá mais risada.]
E é só você que joga bola na família? Só eu, claro. Você não quer botar minha irmã pra jogar bola, né?
Sei lá, de repente algum primo... Não, ninguém mais joga não.
Você usa corrente, relógio... Tenho coleção de relógio, é o que eu mais gosto, tô sempre de relógio.
E roupa, de que tipo você gosta? Ah, compro no shopping mesmo, aqui em Santos, não faço questão de marca não.
Mas o patrocinador dá roupa? A Nike dá, tipo essa que eu tô usando.
E tem que usar Nike o tempo todo? Não, só em programas de TV.
Tô vendo que você come de tudo, evita alguma coisa? Do que mais gosta? Como de tudo, não tenho problema nenhum. Mas o que mais gosto é isso, arroz, feijão, bife, batata frita...
E videogame, você tem, joga o quê? Tenho X-Box, e jogo tudo de futebol. Winning Eleven, Fifa Street, Fifa Soccer...
Joga com qual time? Jogo com o... [para a frase, pensa um instante] com qualquer um. Jogo com esses moleques fracos aí... [Dá risada e olha pro amigo Gilmar.]
Gilmar – Ganho dele no videogame, na sinuca... fora do campo fica fácil. [Neymar ri e faz que não com a mão.]
Baralho também? Gosto de jogar tranca, mas não tô jogando mais não.
E se você não fosse jogador de futebol seria o quê? Não sei... eu sei é jogar bola, né? Se não der certo na bola, eu tô ferrado!
O Pelé visita vocês lá no Santos? De vez em quando ele vai lá, mas este ano tá devendo uma visita pra gente, não foi ainda...
E algum outro ex-jogador aparece lá na Vila? Alguns outros vão de vez em quando também, o Cléber Santana, o Betão foi.
E você grava seus jogos para assistir depois? Tenho tudo gravado em DVD, mas não assisto jogo antigo, vejo só o último.
De quando você estreou no time principal até hoje, mudou muito a forma de jogar? Ah, tá muito diferente, né. A forma de jogar melhorou, e a cabeça também. Não tem muito como explicar.
Neymar estreou no time principal no Paulistão, em 7 de março de 2009, contra o Oeste, no Pacaembu. Entrou nos 14 min do segundo tempo e meteu uma bola na trave 2 min. depois. “Conheci o Neymar ano passado, mas já acompanhava seu excelente futebol”, comenta o técnico Dorival Jr., enquanto os goleiros do Santos, ao fundo, brincam de tentar reproduzir a defesa Escorpião do colombiano Higuita (se não sabe o que é, vá ao YouTube, vale a pena). “Sempre vislumbrei nele um excepcional jogador, diferente. Em cima de uma mesmice, ele cria um fato novo. E, do começo do ano pra cá, ele evoluiu bastante, por conta da disciplina que teve nos treinamentos. Chamou a atenção a confiança que ele foi adquirindo com o passar dos jogos.”
E quando você vestiu a camisa da seleção brasileira, no campeonato mundial de sub-17, na Nigéria, no fim do ano passado, como foi? (Neymar marcou contra o Japão, no jogo de estreia, mas o Brasil acabou desclassificado logo na primeira fase, após derrotas para México e Suíça.) O campeonato foi ruim pra caramba! Mas a experiência de jogar lá foi muito boa.
Por que foi tão ruim? Porque perdemos o campeonato!
Bom, pelo menos você fez um golaço, talvez o mais bonito do Brasil naquele mundial... Ah, mas foi só um...
Pelo jeito você não se intimida jogando contra figurão, com jogador mais famoso e experiente, né? Hoje em dia não, mas ano passado fui jogar contra o Corinthians, e o Ronaldo tava em campo, e ele era meu ídolo, né... Então, pô, eu tava ali na frente do Ronaldo, um ídolo...
E você foi falar com ele? Fui.
E ele foi gente boa? Claro.
E o que você acha do pessoal que reclama que vocês são abusados em campo? Ah, cada um tem o direito de falar o que quer. Se tem algum falando isso ele deve saber o porquê...
E a expectativa pro Paulista, pra Copa do Brasil, pro Brasileiro? Olha, quero ganhar o Paulista, a Copa do Brasil e o Brasileiro. Quero ganhar tudo.
Vocês não jogam só pra garantir o resultado, né? Sei lá, tipo fez dois a zero já tá bom, segura o jogo. Não, não. Tem que fazer gol sempre, pô.
Neymar, este ano é sua primeira eleição. Já sabe em quem vai votar? É a primeira sim, mas não sei em quem eu vou votar.
Acompanha política? Não.
E o que você acha do Lula? Ele tá sabendo levar o país...
Título de eleitor você já tem. E carteira de motorista? Tirei logo que fiz 18.
E tirou assim, de primeira? Passei de primeira, meu pai já tinha me ensinado.
E foi você quem escolheu seu carro? Foi sim, mas com a ajuda do meu pai.
E escolheu esse modelo (Volvo XC60) por algum motivo? Não. Eu precisava de um carro, pô.
E aquela história da aposta com o Jamelli, no jogo do Guarani que foi oito a um e você fez cinco gols? Se eu fizesse mais um gol, eu levava o carro dele. Eu tava no vestiário no intervalo, e já tinha feito três. Ele chegou e falou: “Se você fizer mais três te dou meu carro”. Eu falei: “Toma cuidado com o que você tá falando, que eu vou fazer...”.
Foi quase. Então por que você não bateu o pênalti que teve?! Ah, porque no pênalti eu tava no quarto. Se já tivesse com cinco eu pegava a bola pra bater.
E se você ganhasse ia pegar o carro dele mesmo? Claro que ia! [Risos].
Neymar, você fala sempre do seu pai... Claro, meu pai sempre me aconselha bastante, eu devo praticamente tudo a ele.
E aqui moram você, seu pai, sua mãe e sua irmã? E um colega meu.
Colega? Isso, é praticamente meu irmão, o Jô. Tá morando comigo já tem uns três ou quatro anos.
Ele é jogador também, como foi isso? É das categorias de base do Santos, tem 17 anos. Ele é de Pernambuco, a gente é amigo, sempre trocava ideia. Ele morava no alojamento do clube, aí convidei ele pra morar em casa.
E ele tá indo bem? Veio de que time? Tá indo bem. Veio direto pro Santos, com uns 13 anos... A família dele é toda de Pernambuco.
“As mulheres acabam não confiando, por você ser famoso. é pior pra elas que pra mim”
O segurança interrompe, tá na hora de ir para o treino. Desço pra garagem com Neymar. Do elevador o jogador passa um rádio pro segurança, a quem chama de “meninão” ou “negão”. Tinha esquecido a carteira. O homem desce correndo e a entrega na saída do prédio, se despedindo: “Valeu, irmão. Tamo junto”.
(Continuamos a conversa enquanto ele dirige) Você sai à noite aqui em Santos? Saio, claro.
E você bebe de vez em quando? Não, não bebo nada. Não gosto.
Nunca experimentou uma cervejinha? Nunca, nunca.
E quando você sai à noite a mulherada não fica em cima de você? Fica nada.
Tá brincando, não tem disso mesmo? Tem nada.
Pô, Neymar, chove mulher em cima de tudo que é jogador e nenhuma vai atrás de você? Não é possível. Deve tá acontecendo alguma coisa comigo então, alguma coisa tá errada. Até agora não vi nada, verdade. [Risos.]
Mas você tá namorando? Tava... [Fica sério na hora.]
Até recentemente? Até pouco tempo, agora tô solteiro...
E namorou muito tempo? Cinco meses... [Responde visivelmente querendo mudar de assunto.]
E como é arrumar namorada pra alguém como você? É embaçado, né, cara. E é mais embaçado pra elas, que acabam não confiando, por você ser famoso e tudo mais. É pior pra elas do que pra mim. Arrumar namorada pra mim é fácil, sou jogador e tal, mas pra pessoa que tá comigo é embaçado...
As meninas acham que por você ser jogador famoso vai aprontar? É...
Tem jogador que queima o filme dos outros? [Desconversa, batuca o pagode.]
Mas, e na escola, dava pra namorar? Na escola eu namorava também, namorei uma menina da escola, mais velha do que eu.
(Paramos ao lado de um muro com cartazes de baile funk) Você vai a baile funk aqui em Santos? Não, baile funk não, você tá maluco?
Por quê? É perigoso... mais fácil você ir num pagode do que em baile funk.
E onde tem pagode bom aqui? Acabamos de passar por um, olha lá: Moby Dick.
Uma vez você falou que era “meio favela”. O que quis dizer com isso? Meio favela porque não tenho frescurinha pra nada, do local onde está. Se sou favela, não tenho frescura, tá tudo certo, tá tudo bom.
E qual é a igreja que você frequenta? Toda quinta à noite vou na Peniel, em São Vicente. [Igreja batista Peniel, frequentada pela família desde que o jogador é criança, e para a qual o pai de Neymar já declarou recolher dízimo sobre os vencimentos do filho.]
E a igreja ajuda na vida, no futebol? Ajuda, ajuda bastante.
Outros jogadores também vão? O Ganso de vez em quando também vai.
E lá você é tratado que nem mais um? Sempre fui, mas agora tá ficando difícil quando eu vou lá...
Muita gente em cima? É, é assim em qualquer lugar, né?
Mesmo assim você parece que não esquenta a cabeça com nada, né? Não esquento a cabeça não.
Mas nada te tira do sério? Sim, me acordar puxando o cobertor. [Risos.]
Quem te acorda assim? Amigos, o Jô... Fico nervosão. Da última vez saí correndo atrás deles, taquei chinelo.
E você tem medo de alguma coisa? Eu, medo? Não.
Nem de algum bicho, ou de avião, de morrer? De nada.
Outro carro para ao lado, no sinal. Neymar abre o vidro do meu lado e grita: “E aí, ô vacilo?! Chegando lá nóis conversa”. O motorista do outro carro tem um filme plástico no braço protegendo a tatuagem recente. Olha pra gente, fala qualquer coisa, dá risada e arranca. “Quem era?”, pergunto. “Pô, era o Zezinho [meia reserva do Santos]!”
É verdade que você pode comprar o que quiser, mas precisa levar nota de tudo pro seu pai? É sim, levo as notas pra ele. Tem que dar satisfação, é pra não ficar gastando dinheiro à toa.
E agora, ganhando bem, deu pra ajudar a família? Ajudei. Ajudei tios, minha avó... Ajudei a família toda.
Você diria que sua infância era pobre? Olha... a gente morava a família toda [ele, pai, mãe e irmã] em um quarto, na casa da minha vó. Dormia todo mundo num quarto só.
Onde foi isso? Em São Vicente, no Náutico 3.
Era bairro pobre? Não era assim o mais pobre. Era humilde.
E lá rolavam drogas, essas coisas? Lá tinha, pô. Tinha amigo que... que... [Não completa a frase.] Mas nunca me ofereceram nada não, sabiam que eu era atleta e não queriam me prejudicar.
Mas viu gente desandar? Vi...
Você acha que tem muita droga aqui em Santos, vê gente usando? Jogador assim eu nunca soube de nenhum que usou nada. Só amigo.
Mas o pessoal te respeitava... Sempre me respeitaram. Não ofereciam nada.
Neymar embica pra entrar na garagem do CT. Enquanto espera o portão abrir, uns dez torcedores cercam o carro. O garoto abre o vidro tranquilo, e um grita: “Ô, Neymar, assim você vai acabar com a carreira do Rogério Ceni!”. O garoto só ouve e sorri. Outro chega intimando: “Pô, Neymar, e aquela camisa lá que você falou que ia me dar?”. “Não falei que ia te dar camisa nenhuma”, retruca. Enquanto isso vai tirando foto com torcedores ali da janela do carro mesmo e assinando camisetas. Tudo dura menos de 1 min.
(Já fora do carro, no estacionamento) É isso todo dia?
Todo dia.
O torcedor ali falou no Rogério Ceni. Uma vez ele reclamou de uma paradinha sua num pênalti. E, ontem, ele veio falar alguma coisa? (O goleiro são-paulino tinha tomado dois gols dele no dia anterior.) Não, ontem não falou nada não...
Valeu, Neymar, bom treino, depois a gente se fala. Valeu.
Sabia que esse “depois” dificilmente se tornaria realidade, e que eu não teria muita chance de continuar o assunto, mas tentei. Voltamos no dia seguinte a Santos, dessa vez para produzir as fotos da entrevista. Escolhemos o Aquário Municipal, parecia uma boa ideia. Parecia. A chegada de Neymar causou um tumulto instantâneo. Passantes compravam ingressos desesperados para chegar perto do ídolo, e uma horda de funcionários, visitantes e torcedores se formou rapidamente e não arredou pé durante toda a sessão de fotos. “Só assim mesmo para virmos aqui”, comentou Neymar pai, olhando o aquário do tubarão. Nem ele nem o filho nunca tinham ido a uma das mais tradicionais atrações da cidade. Do primeiro ao último clique, em meio à balbúrdia, foram apenas 18 min, contados nos registros da câmera digital. Teve funcionário da bilheteria que abandonou o posto; teve senhor que, sem noção, deu um tapão nas costas do garoto que quase o derrubou; teve grito e foto de celular que não acabava mais. Quase indo embora, percebemos outro garoto com o atacante. Era Joclécio, o que vive com a família de Neymar. Tentei então conseguir uma nova conversa no banco de couro do Volvo no caminho de volta pra casa, mas Neymar desbaratinou na porta do aquário: “Pô, já falei pra caramba ontem, o que mais você quer?”.
O santista pelos santistas
Ouvimos alguns torcedores ilustres sobre o futebol de Neymar e sua não convocação
“Esse moleque amadureceu dez anos em um, tá comendo a bola e terá muitas Copas pela frente. Já o vejo em breve numa galeria de craques elegantes e inquestionáveis como Zico, Tostão, Ademir da Guia, Pita, Zenon, Paulo César Caju, Reinaldo e Sócrates.”
Zeca Baleiro, músico
“Neymar representa alegria, criatividade e ousadia. Se eu fosse o Dunga, o levaria para a Copa. Ele já tem uma conexão com o Robinho, poderia funcionar como no Santos.”
Supla, músico e apresentador de TV
“O Neymar é pura molecagem, é toda aquela coisa do saci-pererê. Ele resgata a irreverência, o drible. É incrível que o Dunga tenha deixado essa nova safra de fora. Mas basta ver as roupas do Dunga pra entender.”
Arthur Veríssimo, repórter excepcional da Trip e apresentador de TV
“O Neymar tem uma molecagem no jeito de jogar que faz a diferença. É um futebol irresponsável, fazendo dancinha, metendo chapéu, goleando... Mas não é o futebol que o Dunga quer, aquela coisa séria, sem drible, pro esquema.”
Emílio Surita, apresentador do Pânico na TV!
“Acho que essa turma toda, do Neymar, Ganso e Robinho, resgata o que há de mais precioso no nosso futebol. Eles jogam com graça, encanto e alegria, características pelas quais somos valorizados no mundo todo. Eles são criativos até para comemorar o gol.”
Aloizio Mercadante, senador
“Achei justa a não convocação do Neymar. Ele não é um jogador, é um firuleiro. Com 5 min de jogo ele ia levar um bico de um jogador italiano e teria que sair de campo. Pra mim futebol bom é aquele que ganha o jogo. Futebol-arte eu deixo para o cinema 3-D.”
Paulo Henrique Amorim, jornalista
“Acho ele uma graça. Como santista, adoro viver a expectativa de que o time terá um novo Pelé. A figura do Pelé paira sobre o time, não como um carma, mas como um mito, e a gente fica em júbilo quando surge alguém com um perfil parecido, criado no clube.”
Monica Waldvogel, jornalista
“O que mais gosto no Santos, meu time do coração, é sua capacidade de formar craques. Dali brotam talentos ininterruptamente desde a década de 50. De Pelé a Robinho; de Clodoaldo a Ganso. O Neymar é um dos mais inspirados e espevitados meninos da Vila. Tem a ginga, a ironia e o DNA do craque de bola. Suerte, moleque!”
Marcelo Tas, apresentador
“Dunga castrou a criatividade do Neymar ao não convocá-lo. Perpetrou uma fratura exposta de sacanagem e de burrice. Dentro de semanas ou meses, os dois [Neymar e Ganso] estarão nos principais times europeus e ainda brilharão muito pela seleção. Já Dunga será apenas lembrado como outro Lazaroni.”
Milton Neves, jornalista