Neve à vista

Saiba tudo que rolou na temporada brasileira de neve, nas montanhas emprestadas do Chile

por Redação em

Terminou no fim de semana passado, a temporada brasileira dos eventos na neve. Este foi o ano com maior número de campeonatos, atletas, turistas e freqüentadores brasileiros em geral, que ocuparam em boa escala a cadeia montanhosa da Cordilheira dos Andes, mais precisamente na faixa situada entre Chile e Argentina. A Trip não falha nunca nessas horas e uma vez mais contou com uma base móvel no Chile. 

Homens das neves

O brasileiro é um povo criativo por natureza, tanto que conseguimos estabelecer alguma tradição no mundo dos esportes de neve , mesmo vivendo em um país tropical. Algo no mínimo inusitado que efetivamente vem acontecendo nos últimos anos. No aspecto competitivo, atletas como Isabel Clark, 9º colocada na Olimpíada de Inverno, a melhor colocação de uma atleta sul-americana na história, e Mario Zulian, que este ano, em alto estilo, ficou em 2º lugar no Big Air da Copa Continental, são prova cabal de que vimos a cada dia aumentando nosso espaço no cenário competitivo internacional.

Na outra ponta, o fluxo de turistas, simpatizantes e praticantes de ski e snowboard ávidos por diversão, adrenalina ou simplesmente boas histórias para contar vêm crescendo em escala quase industrial. A facilidade de acesso, o baixo custo dos tíquetes aéreos, a familiaridade com o povo local e principalmente a alta qualidade técnica das montanhas sul-americanas explicam a identificação tupiniquim com o gélido ambiente.

Corralco

Esta história começa em Corralco, novíssima e pequenina estação, inaugurada em 2003 e localizada a 900 km ao sul de Santiago, que tem capacidade para receber não mais que 200 felizardos, foi o palco do primeiro evento brasileiro de kitesnow.

Anos atrás, e mais recentemente na Trip# 145, publicamos em primeira mão o surgimento dessa nova modalidade inventada por uns franceses loucos e ávidos pela liberdade de poder subir montanhas, rebocados apenas por uma pipa, bem diferente da realidade dos lifts (meios de elevação) lotados, típicos dos grandes resorts de neve.

O kitesnow é difícil porque reúne o fundamento de direção de pipa, o que gera a força propulsora do equipamento, e a habilidade de condução de uma prancha de snowboard. Aliás, vale lembrar que entre todos os esportes de prancha, o snowboard é o mais específico deles, pois o sistema de condução da prancha é mais técnico e sensível aos comandos do condutor, se comparado a outros esportes como surf e skate.

O visual de sonho e o clima paradisíaco serviram de pano de fundo para a dúzia de competidores que botou pra baixo nas modalidades slalom e freestyle. No fim das contas, o porto-alegrense Roberto Hillman ficou em primeiro lugar, seguido de Rafael Domingues, de João Pessoa, e de Fabio de Maria, de São Paulo. De cabeça feita e sorriso largo, juntamos as tralhas e partimos para El Colorado, que fica a apenas uma hora de Santiago.

El Colorado

El Colorado faz parte de um complexo de montanhas situado a alguns minutos de Vale Nevado, a estação chilena mais conhecida e freqüentada pelos brasileiros. Entre os dias 27 de agosto e 1º de setembro, rolou o tradicional Campeonato Brasileiro de ski e snowboard, que chegou à sua 12ª edição, que sempre acontece paralelamente à Continental Cup, etapa sul-americana do circuito profissional da FIS.

Assim, foram definidos os campeões brasileiros e sul-americanos, nas categorias amador e profissional, das modalidades Big Air, Giant Slalom e Boarder Cross. Mesmo com número recorde de inscritos, a Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDN) teve que bancar o evento na raça, pois não houve o envolvimento de um patrocinador máster.

Mesmo assim, esta edição foi a mais prestigiada e a que apresentou melhor nível técnico dos competidores. Os destaques vão para Isabel Clark, que se tornou 12 vezes campeã brasileira no boarder cross, além de terceira na Copa Continental, perdendo apenas para a terceira e quarta colocadas da última Olimpíada de Inverno de Turim; e para Mario Zulian, que levou o título brasileiro no Big Air da FIS e foi vice-campeão na categoria principal da Copa Continental.

Mario, que vem se “internando” na montanha, onde faz um treinamento intensivo com Isabel Clark, está andando muito, beirando o nível dos melhores gringos. Para embolsar a parada, Mario mandou um perfeito backside rodeo 540º na final, umas das manobras mais plásticas e difíceis desse esporte. Felipe Mota também foi outro profissional que mais uma vez freqüentou os pódios no big air e boarder cross.

Destaque também para a presença maciça da mais conturbadora e carismática equipe brazuca, a CS Team, dirigida por Rogério Lalau, da qual alguns membros aqui da casa fazem parte. Este ano a CS Team se superou, bateu o próprio recorde, e teve que pagar excesso de bagagem na volta, por conta da exorbitante quantia de 17 medalhas conquistadas e inúmeros copos de cerveja consumidos. Com os ânimos ajustados, desta vez regidos por uma forte ressaca, partimos para a magnífica Termas de Chillan. 

Termas de Chillan

Chillan é um dos lugares mais agradáveis de se conhecer. Um resort de ski super tranquilo que, entre outros diferenciais, conta com a maior pista tratada da América do Sul, com cerca de 14 quilômetros de extensão. Porém, a maior atração de Chillan para quem anda de snowboard são as opções do chamado “fora de pista”, algo como uma onda perfeita quebrando solitária somente para você e seus amigos, simplesmente o sonho de consumo de nove em cada dez riders.

Composta por todo espaço não delimitado pelas bandeiras, essa área não recebe o tratamento feito pelos tratores e geralmente reserva neve virgem ou semi-intacta em montanhas de ótimo grau de inclinação, que demandam alto nível técnico e principalmente um bom conhecimento da área a ser explorada. No “fora de pista”, você assume seu próprio risco ao assinar um termo de responsabilidade que isenta a direção da montanha da responsabilidade por qualquer dano físico ou acidente. Para completar, o que poucos praticantes sabem é que as companhias de seguro saúde não indenizam acidentes nessas áreas.

Mesmo assim, com todos os riscos, inclusive o de avalanche, o “fora de pista” é o pote de ouro no alto da montanha tão perseguido pelos snowboarders de responsa, o verdadeiro clímax do esporte. E lá, em Chillan, sobram opções. Com fácil acesso via lifts, motos de neve ou mesmo helicópteros, é impossível ir até lá e não correr tão prazeroso risco. Depois de quase um mês sobrevivendo em muquifos apertados, graças a nossa eficiente produção descolamos um hotel classe A, assim nos preocuparmos só em conhecer a montanha, andar de snow, produzir imagens e conferir de perto o último dos eventos brasileiros, a Copa Brasileira de Ski e Snowboarding.

Foi a primeira versão desse campeonato que tem por característica ser um evento amador, boa escola para o surgimento de novos talentos para competir nas provas FIS num futuro próximo. Entre os snowboarders, a Trip foi bem representada por este que vos escreve, com o quinto melhor tempo no geral, depois de um 10º lugar nas provas de El Colorado. Um grande prazer foi assistir a riders como Flavio Ascânio, Léo e Mauricio Natário, que emprestou toda experiência acumulada em mais de 12 anos de vivencia nas montanhas de Coper, Aspen, Vail e região, para dar uns toques na galera e trocar idéia full time sobre a vida no gelo. Evento encerrado depois de muita neve na cabeça, no melhor sentido.

O consolo da partida da montanha foi feito à base de planos futuros, que provavelmente você conferirá por aqui! Até a próxima temporada dos abomináveis brasileiros da neve.

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