Não amo ninguém
NÃO AMO NINGUÉM
As pessoas olharam atônitas quando, em público, afirmei, com todas as implicações resultantes, que não amo ninguém. Claro, este é um crime imperdoável. Estava queimando meu filme, evidentemente. Mas estava dizendo exatamente porque, de verdade, não amo ninguém mesmo. Não é de propósito e nem sou psicopata. Não é deficiência mental ou espiritual. Só queria entender.
Há pessoas pelas quais sinto algo mais complexo do que se convencionou chamar de amor. É comprometimento. Algo além de minha vida ou morte. Aconteça o que acontecer estarei com eles. Tenho amigos mortos há anos, décadas. Eu os carrego comigo, dentro de meu coração, na lembrança constante de suas palavras, expressões e imagens. São meu conteúdo, dão substância à minha existência. Deixaram muito delas comigo e um bocado de mim foi com elas. Nos misturamos, forever.
Mas não é isso que chamam de amor. Acho pouco. Ser amado jamais me satisfez. Quero mais que isso. Não é desse jeito, por exemplo, que trato meus filhos. É qual uma árvore que deita seus galhos em busca de luz. Eles são eles, mas eu os carrego em mim, como estou neles também. Neles espalmo meu coração. Estão suspensos no ar, onde o sol ilumina mais fortemente.
Gosto sinceramente de pessoas. Busco compreender, não condenar para não ter que perdoar. Nem sempre consigo. Às vezes parece que a vida é só escolha e decisão. Não sou capaz de abstrair o mal que me fazem. Compreendo, mas não deixa de doer. Existem dores que carrego desde a infância. Não aceito pastiches de autoajuda. Auto-sugestão é forma; não adianta se não houver conteúdo. Tenho profunda compaixão e uma ternura teimosa pelo ser humano. Conheço-o existencialmente; das cordas bambas que trilhamos juntos.
A recíproca é complicada. Se não amo ninguém, serei amado por alguém? Do jeito que a atuação humana conceitua esse sentimento, nem faço muita questão. Preciso de muito mais que isso para vencer a dor, a angústia de ser só em mim. Mas se o amor é construção, então...
Esse amor humano parece pequeno, mas é o que temos por agora. É como veio de ouro dentro da montanha. Em meio a milhares de toneladas de rochas, queda-se inaccessível. Provavelmente as pessoas próximas a mim padeçam do mesmo mal. Talvez esse seja o mal do amor. Provavelmente isso que se conceituou com o nome de amor já não seja mais suficiente para o ser humano.
Precisamos de algo menos fluídico e não tão sujeito a humores. Ciúmes, possessividades, domínios, controles, cobranças, traições, tirações e as sacanagens todas que somos capazes por que “amamos”. Talvez estejamos amando mais a busca do sentido de cada um de nossos gestos na vida do que a própria vida. Quem sabe não seja para amarmos a vida toda, e sim apenas no instante. O que sinto é que nosso tempo é composto pelo que sentimos e pensamos, e não pelo que ele é mesmo.
A necessidade é de algo mais que, no entanto, talvez não sejamos capazes ainda. Passaremos como anseios para que as gerações futuras realizem. No momento, o amor como se convencionou, não me toca. Não amo ninguém desse modo. Não consigo viver tórridas paixões agora para esquecer depois, quando tudo me exige continuidade. Não posso calar da boca as dúvidas pelas quais sou tomado. A inquietação, a intranqüilidade, a incompletude, essa coisa faltando que nem sei o que possa ser, é a realidade. Suportei medo, tirania, solidão, dor, angústia, vazio e a imperiosidade de decidir sempre. E parece que vou ter que continuar mastigando em falso com a boca nua.
Composto por Luiz Mendes em 20/05/2009.