Nação adolescente

Em que outra idade uma nação repetiria tantas vezes, “nunca antes na história deste país”?

por Carlos Nader em

Em que outra idade uma nação repetiria tantas vezes, na voz do seu representante supremo, “nunca antes na história deste país...”? A adolescência é marcada por um desejo de mudança, de ruptura, de afirmação

Lá pelas tantas, o Hino Nacional diz que o Brasil está “deitado eternamente em berço esplêndido”. Sempre me perguntei: isso quer dizer exatamente o quê? Que é um país condenado a uma infantilidade também eterna?

Lembrei desse verso outro dia, quando me caiu na caixa de entrada um desses e-mails pegajosos que rodam a internet. Como tinha sido mandado por um amigo muito querido e inteligente, o escritor Fernand Alphen, abri e li rápido. Valeu a pena. Era um texto engraçado, esperto, escrito por outro escritor, o argentino Hernán Casciari. Baseado naquela história de multiplicar os anos de vida de um cachorro por sete para conhecer sua idade humana, Casciari inventa um sistema análogo para descobrir a idade dos países. Sem explicação nenhuma, diz que o número mágico é 14 e que, ao contrário do sistema canino, aqui ele não é um múltiplo, mas um divisor.

Explico melhor. Nessa conta chutada, o Brasil, a nação, que nasceu com o berro de 1822, tem 187 anos brutos. Dividindo por 14, descobrimos que o Brasil, a pessoa física e espiritual, o florão da América, já tem mais de 13 anos. Ou seja, o hino que não presta, mas eu amo, está mais uma vez redondamente equivocado. Estamos saindo da infância para entrar na adolescência.

Meu próprio chutômetro dá total razão ao cálculo de Casciari. Em que outra idade uma nação repetiria tantas vezes, na voz do seu representante supremo, “nunca antes na história deste país...”? A adolescência é marcada por um desejo de mudança, de ruptura, de afirmação. Para dentro e para fora. Nossos hormônios estão em polvorosa. A economia, o IDH, a confiança no país, tudo sobe. Estamos querendo pular as cercas. Nossa diplomacia nunca esteve com as manguinhas tão de fora. Nossos órgãos estão crescendo. Nossas empresas, cada vez mais fortes. A nova maior companhia privada brasileira, Friboi, é o grande abatedouro de carnes mundial. Somos líderes também em galinhas e perus. Nossa maior empresa pública, a Petrobras, tem as sondas mais compridas do planeta. Não há dúvida de que a puberdade chegou. Queremos emergir.

O filho do Brasil
O Brasil está de fato muito diferente dos tempos da minha infância, nos anos 60 e 70. A pátria daquela época também era uma criança de 10 anos. Houve, é certo, períodos curtos de exceção, como aquele entre 58 e 62, que nas sábias palavras de José Miguel Wisnik prefigurou, através das mãos de Juscelino e Niemeyer, da voz de João Gilberto e Tom Jobim ou dos pés de Pelé e Garrincha, tudo aquilo que o país pode vir a ser. Mas mesmo que, como toda criança, o Brasil tivesse dado mostras de seu potencial, o período que antecede a virada do milênio foi bem típico de um infante exuberante, que descontroladamente alterna humores e tutores.

Não é coincidência o fato de que aquele que hoje lidera e encarna a nação tenha sido alcunhado de “o filho do Brasil”. E se há alguma dúvida de que estamos entrando na adolescência, basta prestar atenção no discurso do próprio Lula defendendo que a Olimpíada de 2016 fosse realizada na cidade mais protuberante do planeta. “A gente era aquele que nunca pode, nunca pode nada. Agora eu quero dizer, sim, a gente pode”, disse Luiz Inácio em Copenhague, logo ecoado por seus súditos daqui que resumiram perfeitamente num “Yes, we créu” a reivindicação adolescente. Afinal, como disse o comandante em chefe no fim do mesmo discurso, “a gente quer ser grande”.

A gente chega lá, presidente. Só que vai ser só em 2074, quando o Brasil completa 18 anos. Por enquanto, tá tudo lindo, maravilhoso, mas não vamos esquecer que ainda tem bastante coisa para crescer. Até a maioridade mesmo, ainda temos que comer muito arroz e feijão.

*CARLOS NADER, 43, é diretor do documentário Pan-cinema permanente. Seu e-mail é carlos_nader@hotmail.com

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