Música sacra
Jorge Mautner escreve sobre os rituais como manifestação do amor através da música e dança
Os rituais são a primeira e mais essencial manifestação de amor através da música e da dança. São o eixo da alma que nos dá sentido de ressurreição
Desde a pré-história a cultura humana se manifestou com som musical e danças de coreografias que mimetizavam situações sexuais, saudades, espantos, abandonos, mistérios, enleios sob a luz do luar... Enfim, toda uma gama de emoções através de músicas, ritmos (batidas do coração) e coreografias das emoções transfiguradas em sensações.
Mas tudo isso está enfeixado no significado dos rituais, que são a referência e a função de toda essa poesia musicada, dançada, interpretada, que estabelece cantos e danças para que a caça seja propiciatória. E, na volta da caçada, ao trazer o mamute morto para dentro da caverna, novos rituais se estabelecem e ecoam, rituais de agradecimento pela caçada bem-sucedida.
Há também os rituais do silêncio ou, melhor dizendo, da música do silêncio. Seriam mantras? Seria o som do próprio silêncio? Ao celebrar o nascimento, a passagem da puberdade e o momento da morte inexorável, cânticos, danças e gestos simbolizam e mimetizam em forma de emoções e sensações todo esse mistério, firmemente plantado e fundamentado no ritual.
É o ritual com as artes unidas que inventa tudo, as religiões sacras e profanas, os momentos mais sublimes e os mais infames. A música, a dança e a arte habitam a quarta dimensão. Portanto, seus rituais são os mais diversos e os mais rigidamente direcionados pela lei do desejo de perfeição, pois é um ato religioso. Por isso não se pode errar durante o ritual e, se erro houver, a penitência pode ser severa.
Por outro lado, isso tudo no mundo contemporâneo está misturado e em estado flutuante de fusões e interfusões que transforma-se neste momento na maior liberdade de gestos, danças, expressões, dissonâncias, harmonias, misturando e amalgamando tudo em ondulações quânticas e inesperadas, onde gritos de terror se transformam em eternas esperanças, sempre renovadas a cada ritual. Com celebração da vida, festa, danças, batuques, e o ritual fazendo tudo ter sentido. Mesmo que seja no absurdo, um sentido flutuante, não importa, essa arte toda inspira até os cientistas. Ah! Mas estes sempre compreenderam a simultaneidade das coisas. Pudera! Mexem com vibrações, infinitos, espaços paralelos, cálculos de incerteza, e nossa vida e nossa arte imitam e mimetizam esse destino, e novos rituais são incessantemente implantados.
Os rituais são o eixo fundamental de nossa alma que nos tranquilizam e até nos dão a sensação de felicidade, de amor, de serenidade dentro das tempestades, e a ressurreição a cada instante!
Jorge Mautner é cantor, compositor e escritor carioca, autor de clássicos da música brasileira como “Maracatu Atômico” e “O Vampiro”