MURO

por Luiz Alberto Mendes em

MURO

 

 No muro lá de casa, em meio ao musgo que vai recobrindo-o como leve lençol de seda marrom esverdeado, brotou uma florzinha vermelho-água. Em volta dela, na fenda do muro, elevou-se um arbusto verde claro, como que a coroá-la. A florzinha me agradou logo cedo. Poderia jurar que ela flexionou sua haste para se mostrar, quando abri a porta de manhã cedo.  Ontem, pensando em dar-lhe mais conforto e uma sobrevida, decidi transplantá-la. Ela parecia pedir espaço para sobreviver com toda a luminosidade de suas cores.

Com infinita paciência fui arrancando suas raízes, uma a uma, agarradas ao muro. Era tão pequenina e delicada que pareceu desmaiar em minha mão. Fiquei olhando aquele serzinho desfalecido e uma ternura leve foi se aconchegando alma adentro. Atravessei a rua e no terreno baldio em frente minha casa, com o dedo cavei um buraquinho na terra afofada pela chuva noturna. Enterrei suas raízes, que mais pareciam fios brancos de linha, até o caule. Ela ficou ali amolecida e esparramada como morta. Parecia não estar entendendo nada. Aspergi só um pouquinho de água, com medo de afogá-la, e fui para a vida.

Acordei hoje cedo mal disposto. Assim desmotivado pelo frio e só, pensei na rotina do dia e quase desisti. O calorzinho gostoso das cobertas me chamava: “_Vem, vem...” Mas os hábitos se transformam em deveres sem que se perceba. O primeiro do dia é buscar pão para meus meninos. Tentei animar pensando no café quentinho que tomaria na padaria. Quando consegui me colocar para fora de casa, o frio agrediu violentamente.

Na volta, marchando contra o vento gelado que cortava, lembrei da florzinha. Encontrei-a esparramada, já se reciclando com a terra. Não resistira. Sua vida era aquela, tentar estendê-la a matou. Morar sozinho como eu, é como estar em um oásis, mas sem que haja deserto por perto. Ainda bem que posso escrever e você esta suportando ler. Será que um dia poderei sair da fenda desse meu muro sem receio de também me findar em um terreno maior? A tentação é grande; tenho ensaiado bastante esses próximos passos.

Composto por Luiz Mendes em 29/05/2009.

 

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