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Mítia

Na coluna passada, escrevi que um
amigo meu tinha dito que o Padre
Marcelo ia acabar na Banheira do
Gugú. Recebi alguns e-mails
ofendidíssimos com a especulação.
Gente, primeiro deixa eu dizer que eu sou
muito créu e vou supor que quando meu amigo
pensou em banheira, ele estava se referindo
àquela banheira do programa do SBT e não à
Jacuzzi da casa do Gugú. Não vejo nada demais
na imagem do Padre Marcelo abaixando para
pegar o sabonete nos palcos dominicais. Seria
mais que uma retribuição singela à cerimônia
sacralizada nas páginas da revista Caras em
que o Gugú foi batizado por ele nas águas da
Terra Santa. Na verdade, um mergulho do Padre
na pia batismal do Gugú representaria também
um verdadeiro batismo ecumênico em que o
apresentador do ritual católico Marcelo Rossi
teria a cabeça consagrada pelo sacerdote do
culto midiático Augusto Liberato.

Não é pequena a relação entre mídia e religião. Não estou aqui tentando bater de novo na tecla cansada
da rede da Igreja Universal, nem da presença da Igreja Católica na Internet ou na Globo, nem das rádios
gospell, nem do controle que os judeus exercem em muitos grupos de comunicação multinacionais. Não
vou ficar rezando por aquela velha cartilha que diz que a religião exerce um papel dominante na sua relação íntima com a mídia. É
pouco aliás dizer que mídia e religião se relacionam intimamente. A mídia é em si uma religião, muito mais poderosa que qualquer
outra. Não se trata de uma figura de linguagem. A mídia opera exatamente como religião. É o canal que religa o nosso ‘mundo real’ a
um ‘outro mundo’. É o plano onde habitam os seres desencarnados. É o panteão eletrônico que funde e difunde as imagens de tudo o
que é efetivamente pagão ou profético hoje em dia. Quem ainda há de negar que a mídia é o espaço de culto mais importante do
mundo contemporâneo?

Basta uma olhadinha semiótica muito rápida na História. A composição do poder sempre esteve muito claramente ilustrada pelo skyline
das cidades. Durante séculos e séculos, o edifício mais alto de qualquer cidade ocidental foi sempre a torre da Igreja. No começo do
século XX, houve um período breve de transição em que as catedrais foram ultrapassadas primeiro pelas chaminés das fábricas da
Revolução Industrial e depois pelos prediões empresariais como o Empire State. Agora, desde pelo menos os anos 50, não fica muito
difícil identificar qual é a estrutura que arranha os céus da grande maioria das cidades. A antena de TV. É o falo da mídia que reina
ereto e absoluto sobre as nossas cabeças. E é ele que nós do respeitável público tementes cultuamos.

Traduzidas para os dias atuais, as imagens e rituais são basicamente os mesmos. Sai um altar e entra uma tela. Sai um Jardim do
Eden e entra uma Ilha de Caras. Sai um Exú e entra um Sergio Mallandro. Sai um rascunho do mapa do inferno e entra um Cidade
Alerta. Sai uma fiel chorando quando beija a imagem de Nossa Senhora e entra uma fã chorando quando beija a mão da Xuxa. Sai a
multidão em procissão atrás do andor e entra a multidão em procissão atrás do caixão de um Ayrton Senna ou de uma Lady Di. Saem
os mitos de veracidade duvidosa e entram as notícias de veracidade duvidosa.

Como na Idade da Pedra ou no Egito antigo, o ser humano voltou a cultuar astros e estrelas e o homem contemporâneo se constrói à
imagem e semelhança dos ídolos adorados. Neste universo, a existência de alguém como o Padre Marcelo é um mero detalhe
corporativo. Ele é apenas um agente de integração de uma religião tradicional que aos poucos vai se fundindo com outra mais
tecnologicamente adequada aos novos tempos. Afinal, esta é uma época em que os grandes grupos de comunicação precisam se unir
para sobreviver, sejam eles católicos ou catódicos, míticos ou midiáticos. Neste processo de fusão, o resultado é muito parecido com a
compra da Time-Warner pela AOL. É a organização mais nova e moderna que fica com o controle.

CARLOS NADER, homem de mídia

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