Missão impossível
A maioria das nossas motivações está fora do alcance das escolhas conscientes
Tentei levar uma vida baseada no conhecimento e controlar todos os meus passos, mas a ciência me fez entender que a maioria das nossas motivações está fora do alcance das escolhas conscientes
Agora eu sei que a única vida que acabou foi a que eu levava. Há cerca de oito anos tomei uma decisão. Seria escritor. Talvez não um bom escritor, mas, ainda assim, um escritor. Aos poucos fui me comprometendo com o texto. Tornei-me gravemente responsável pelo que escrevia. Estudei e li tudo o que pude com esse objetivo. Acreditava no esforço pessoal, na imperiosidade da vontade. Por conta disso a ansiedade, essa pressa por ser, me levou a acumular conhecimentos e desviar o foco. Tentei uma vida consciente. Aquela em que tomava conta de todos meus passos. Errei o alvo. Hoje sei: era missão impossível.
Pergunto: como controlar a mania de controlar tudo? Acreditei ser autor de minha vida, desesperado que estava por regular meus passos através de minhas escolhas. Hoje, ao cabo de vivências e observações, concluo que não é isso que tenho vivido. Afivelei máscara e usei como se fosse meu próprio rosto. Sabia que não estava satisfeito. Mas, como nunca estive, era normal.
A ciência afirma que quase tudo o que se passa em nossa mente acontece sem nosso conhecimento. A percepção consciente das coisas é apenas uma pequena fração do que conhecemos através de nossos sentidos.
A maioria das coisas que vêm à consciência nós já sabemos. Muitas de nossas mais acreditadas motivações estão fora do alcance das escolhas conscientes. Como organismos vivos, processamos cerca de 14 bilhões de bits de informação por segundo. A faixa de onda de nossa consciência tem cerca de 18 bits. Isso demonstra que temos acesso consciente a um milionésimo do que usamos de informação para viver.
Ao mesmo tempo, viver, não há dúvidas quanto a isso, é processo de conhecimento. Com certeza nem um pouco tão consciente quanto nos parece. As bactérias procuram o açúcar e fogem do ácido. Pequenos mamíferos comunicam tempestades por vir. Árvores liberam substâncias alertando suas vizinhas de que larvas atacam suas folhas. Nascemos procurando peito e afeto porque conhecemos os cuidados de que carecemos para nos desenvolver, antes de estarmos conscientes deles. Chamamos de instintos tais inteligências cerebrais automatizadas.
Andamos, falamos e nos comunicamos porque a mente e o corpo humano estão a serviço da evolução da espécie. O que consideramos bom ou correto pouco importa. Somente importa o que for bom e correto para servir aos interesses evolutivos da espécie. Não escapamos, assim como os outros animais, desse determinismo evolutivo predominante no planeta. Mesmo com esse mínimo de consciência que nos sobra, sabemos que viver é conhecer através do acúmulo de conhecimentos e experiências. O prazer, assim como a dor, são meros instrumentos. Não importa nosso envolvimento emocional com o vivido. Importa é o conhecimento que geram, se nos fazem mais aptos à sobrevivência.
BUSCA PELA VERTIGEM
Hoje inovar talvez tenha o sentido de acabar com as regras, com os limites e interdições. O futuro já não promete ser melhor que o presente. Estamos manifestando e esgotando nossas energias imediatamente. Somente o instante parece existir. Há uma busca pelo paroxismo, pela vertigem. Nos parques de diversões, nas lan houses, em raves e em todo lugar. Procuramos o medo, a excitação e o transe nos jogos, nos filmes de suspense e horror cada vez mais destroçadores e sanguinários.
Não tenho soluções. Só sei que a pequena parcela de consciência que penso me dirigir pulsa angustiada. Isso não me serve, é pouco. Quero muito mais que isso no que me resta de vida. Deixar de querer ser para deixar ser não é tarefa possível para mim. Não conquistei minha liberdade a tão duras penas para perdê-la assim. Careço saltar obstáculos e prosseguir na busca. Não sei se obterei resultados. Talvez um dia venha mesmo a ser um escritor, e esta seja minha solução pessoal.
*Luiz Alberto Mendes, 56, é autor de Memórias de um sobrevivente, sobre os 31 anos e 10 meses que passou na prisão. Seu e-mail é lmendes@trip.com.br