Miolo mole

O Brain Gym promete deixar nossas mentes mais fortes e flexíveis: o truque é achar o prazer

por Bruno Torturra Nogueira em

 

 

Você senta ao computador e jura a si mesmo que vai manter o foco. Já desligou o celular, a internet, a TV e pediu aos convivas que o deixem em paz. Grato a si mesmo pelo que está prestes a fazer, coloca um headfone e aperta start.

“Gah... Dah... Gah... Dah... Dah... Dah... Gah... Gah...”

E assim vão 15 min de uma hora cheia, “gahs” e “dahs” alternando-se em sequências e velocidades diferentes. Seu trabalho é clicar no “gah” quando ouve um “gah” e clicar no “dah” quando a mesma voz masculina lhe entoa um “dah”. “Bah!”, diz o já entediado leitor. Se lhe soa um tanto chato, ou deveras besta, saiba que se trata do segundo exercício de uma série que promete lapidar uma das pedras filosofais da neurociência: aprimorar a performance cerebral e impedir a queda das funções cognitivas que o tempo impõe a nossos preciosos miolos.

Esse é o objetivo, que já se provou viável, do que vem se popularizando como Brain Gym, ginástica cerebral. A base de tudo é uma descoberta que começou em experimentos dos anos 60, mas que se cravou como verdade há pouco mais de dez anos, quando Mike Mezernich, um cientista de San Francisco, arrancou um dedo de uma macaca para dar uma mãozinha ao ser humano.

 

Com seu cérebro devidamente mapeado, a decepada chimpanzé rapidamente mostrou que novas conexões e caminhos se formaram no seu córtex. A área encefálica que cuidava do saudoso dedo ganhou novas funções. Foi o dedinho que faltava para derrubar sólidas muralhas nas ciências cerebrais.

 

Acreditava-se que, depois de certa idade, estamos condenados a perder neurônios e conexões que jamais serão refeitas. Esquece. Lembre disso: o cérebro cria, sim, novos neurônios e novas e mais eficazes conexões. Tudo o que ele precisa é de vontade – e treino. Munido de cobaias, humana inclusa, Mike e sua equipe foram descobrindo as formas mais eficazes, e menos cruéis, de deixar cérebros tinindo. E, assim como o condicionamento físico planejado fez nas últimas décadas, os polichinelos mentais de Mike estão mudando o que significa envelhecer.

Vovó não esquece a lista de compras

A comparação com exercícios para o corpo não é exagerada. Há séculos sabe-se que quem se mexe mais em geral tem uma saúde mais longeva. Mas foi apenas quando a ciência entrou na jogada que surgiu uma nova cultura fitness, em que cada exercício tem função específica e em que frequência e intensidade determinam resultados. Da mesma forma, gente que lê, estuda, conversa, viaja e pensa mais profundamente tende a ter uma mente mais ágil e duradoura. Mas só agora estamos começando a moldar as primeiras ginásticas localizadas, as musculações cerebrais. Por isso o “gah-dah” e tantos outros jogos de uma simplicidade por vezes irritante foram desenvolvidos por Mezernich. Agem direta e minuciosamente nos centros básicos por onde os sentidos são primeiro processados.

Quanto mais esforço para reconhecer as diferenças entre fonemas (ou de imagens em outro exercício), mais seu cérebro azeita a capacidade de entender informações externas. A premissa é simples: “Quanto melhor o input, melhor o processamento”, explica o brasileiro Rogério Panizutti, um dos pesquisadores no laboratório de Mike Mezernich na UCSF.

Rogério está em San Francisco para seu doutorado, e conversamos assim que ele voltou de Tóquio, onde foi apresentar uma das pesquisas que saíram do laboratório. E não ficou exatamente surpreso ao ver o aumento enorme nos estudos sobre plasticidade cerebral. Ele é testemunha ocular do mercado em expansão que essa ciência está se tornando quando aplicada ao varejo. Mike Mezernich, seu chefe e mentor, mal pisa no laboratório de tão ocupado com seminários e com a divulgação de seus produtos. Por enquanto são dois softwares lançados pela PositScience, a empresa que Mike fundou para comercializar os resultados práticos de suas pesquisas.

A PositScience tem um andar todo em um edifício no centro de San Francisco, mas muitas salas e corredores vazios. Eles sabem que o futuro vai tratar de lotar o espaço. Por enquanto, fotos de idosos, seus clientes primordiais, anunciam os resultados. Desde o depoimento de uma senhora que não esquece mais a lista de compra no mercado ao vovô que retomou a vida sexual depois de comprar o Brain Fitness – o primeiro programa lançado. É uma caixa que custa US$ 350 que poderia levantar muitas suspeitas de comercialismo ou promessas exageradas. Não fosse a estatura e seriedade científica de Mike e sua equipe.

Explicar as minúcias de como os exercícios agem tomaria um espaço que a revista não dispõe e uma bagagem científica que o presente repórter tristemente não carrega. Mas algo nisso tudo é crucial, e dá pistas do que o cérebro, no fim das contas, quer de nós: prazer.

Mais importante do que quebra-cabeças e jogos de identificação de sons, a chave que destrava nossos miolos é o sistema de recompensas. Sem um sentimento, vago que seja, agradável, não há santo que remodele o cérebro. Ou melhor... sofrimento e tédio também remodelam. Se prazer te deixa mais ligeiro, meu caro, stress e falta de propósito vão cuidar de te deixar tapado.

Microfúria e recompensa

Primeiro, direto e reto: não há milagre. A ciência já pode afirmar categoricamente que o cérebro atinge seu pico de performance pouco antes dos 30 anos de idade. Depois disso a ladeira desce. O que os exercícios oferecem é a chance de puxar o freio de mão. Ou, quem sabe, achar um jeito de continuar subindo.

Começo o treino com algo simples: identificar se determinado som vai do grave para o agudo (tuínnn) ou do agudo para o grave (tiúnnn). Lendo parece fácil, e a princípio é. Mas vai acelerando, os bipes ficam mais curtos e sutis. E nossa atenção pode ser traiçoeira como uma próstata. Depois de 10 min dos 15 programados cometo erros tolos por estar com a cabeça em outro assunto. Mas cada erro que me causa uma microfúria, o suficiente para domar meu foco e acertar os próximos 5 min seguidos. De fato, o “plim” de cada acerto começa a ser cada vez mais prazeroso. Um misto de orgulho de ás do fliperama e a expectativa de que aquilo era um passo rumo ao upgrade do meu cérebro. Sistema de recompensa: ativado.

A facilidade tira um pouco da graça, mas passada a primeira meia hora sinto, de fato, que um esforço foi feito. Por dias o treino segue, e me dedico também ao outro software, InSight, elaborado para o campo visual e a memorização. Tenho que distinguir entre formas e cores e recordar sequências que vão ficando mais complexas quando acerto. O fato é que, dia após dia, a coisa vai ficando fácil e mais fácil. Ou melhor, eu vou ficando mais rápido e eficaz nas manobras. Porque a dificuldade se mantém a mesma. O software dá um jeito de deixar a tarefa difícil na mesma medida. Dormir é mais complicado toda vez que me exercito antes da cama. E me sinto exausto toda vez que faço uma jornada dupla, um programa depois do outro.

Uma leve alteração de percepção me acompanha no cotidiano. Uma atenção mais natural e aguda aos sons que me cercam. Levo em conta sua duração e sutilezas. Um chiado de um carro freando pode ser decomposto em dois ou três estágios sem que eu pense sobre o assunto. Trajetos de folhas caindo e insetos no ar me parecem mais legíveis, ou estou mais atento para isso. Não posso dizer que minha memória melhorou, não há parâmetros porque nunca me senti especialmente amnésico, nem agora me sinto um poço de recordações.

Mas se há algo a ser tirado dessa experiência, e desta reportagem, é uma atenção maior ao que atenção significa. Que entre suas duas orelhas existe um cérebro, e que ele responde diretamente a como você o trata. Portanto, se cuida. Um veredito para o Brain Fitness? Funciona. Bote fé. Isso é, se você tem fé na imprensa. O que, em si, é sinal de que uma ginástica mental lhe faria muito bem.

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