Menos é o máximo

Professores e academias descobrem que pegar leve é a receita para medalhas e boa saúde

por Irineu Loturco Filho em

Estudos recentes comprovam: quem treina forte para extrapolar limites acaba arriscando o corpo e comprometendo a performance. Depois de décadas de exageros, professores e academias começam a rever seus conceitos e descobrem que pegar leve é a receita para medalhas e boa saúde

Alguns profissionais ainda resistem em mudar e ainda acreditam que quanto mais treinamento melhor. Mas não tem jeito: cada vez mais professores de educação física, atletas e treinadores têm se convencido de uma realidade que estudos já comprovaram: treinar mais não é treinar melhor. São comuns histórias de atletas das décadas de 80 e 90 vangloriando-se por ter realizado treinos intermináveis, muitas vezes de um dia inteiro. São pessoas que vêm pagando um preço alto por esses exageros. Cientes disso, academias, clubes e equipes profissionais vêm mudando seus padrões, criando modelos de treinamento baseados na qualidade e deixando de lado as tradicionais sessões extenuantes. Quando o assunto é atividade física, treinar no limite já é coisa do passado. O melhor para a saúde e o rendimento são sessões mais curtas e intervalos maiores, valorizando a recuperação e o tempo de sono.

 

A maioria da comunidade esportiva acredita, contudo, que atletas excepcionais treinam por tempos excepcionais e apenas por isso apresentam resultados excepcionais. Mas do ponto de vista científico essa afirmação se sustenta? E para quem busca apenas qualidade de vida e longevidade treinar por mais tempo significa viver por mais tempo?

São perguntas com respostas complexas, mas já contempladas pelas mais recentes descobertas das ciências da saúde. Primeiro é importante entender de uma vez por todas: atletas de alto rendimento são indivíduos diferentes não porque treinam mais, mas porque têm condições e características diferentes que lhes permitem alcançar resultados muito acima da média. Grande parte desses resultados pode ser explicada pela universalização do esporte. Mais atletas, investimentos e competições: a seleção natural é infalível. No mundo competitivo do esporte só triunfam os geneticamente preparados para ganhar.

Você, mortal

Mas se você é um simples mortal não se empolgue com a ideia de virar um superatleta. Você não vai atingir resultados expressivos treinando por muitas horas. Correr maratonas, fazer longas provas de triathlon e até mesmo sobreviver às provas de ultraendurance não o transformam em um atleta de alto rendimento. Lembre-se: atletas profissionais podem correr uma prova longa com velocidades médias superiores a 20 km/h. Faça um teste: tente correr nessa velocidade por mais de 1 minuto. Isso pode lhe dar uma noção do imenso abismo que existe entre a aptidão e a vontade.

Ao tentar se tornar um atleta a qualquer custo, tudo o que você consegue é acumular lesões, dores e trocar seus momentos de lazer por sessões de fisioterapia. Como se não bastasse, treinamentos extenuantes a longo prazo podem gerar problemas cardíacos irreversíveis, comprometendo definitivamente a sua qualidade de vida nos seus anos de ouro. Não duvide: também na atividade física o melhor caminho é o do meio. Os quatro exemplos a seguir são apenas algumas provas disso.

*Irineu Loturco Filho é bacharel em esporte pela USP e doutorando em metodologia do treinamento para o alto rendimento esportivo pela Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha. É diretor da S2 Esportes e preparador físico dos empresários Abílio e João Paulo Diniz

Michel Bögli

Como era o treino antes “Joguei polo aquático dos 13 aos 18 anos. Dos 18 aos 27 fui triatleta profissional, depois migrei para as corridas de aventura. Quando comecei no triathlon, em 1988, havia pouca informação, a gente treinava um absurdo, até 24 treinos semanais. Conheci uns caras que chegavam a passar o dia inteiro pedalando na USP. Na nossa cabeça, quanto mais treinássemos, melhor. Exagerávamos, íamos até o limite.”

Consequências “Há três anos comecei a me sentir muito cansado nos treinos, com dores no corpo, e descobri uma arritmia cardíaca, problema que surgiu muito provavelmente dos excessos no esporte. Um médico me disse que eu teria que fazer uma operação e ficar 50 dias de molho. Aí a casa caiu. Era véspera de uma prova de ultra maratona de Mountain Bike na África do Sul. Fiquei com medo de não poder mais praticar esporte e, claro, de morrer.”

Como é hoje “Aos 41, já não posso correr devido a uma síndrome de compartimento nas pernas, consequência do excesso de corrida. Concentrei então minhas energias no ciclismo. Apesar da arritmia, os médicos me liberaram para continuar treinando, porém com mais cautela.”

Fredison da Costa

Como era o treino antes “Quem inventava meus treinos era eu. Não tinha um treinador profissional. Corria todos os dias de manhã e à tarde. Só descansava no domingo à tarde, às vezes nem isso. Já cheguei a correr 240 km por semana. Achava que, quanto maior o volume de treinamento, melhor. Se deixasse, eu treinava o dia inteiro, todos os dias.”

Consequências “Como eu corria muito, sentia muita fome e comia demais. Fazia um pratão de caminhoneiro, devorava um pacote de bolachas de uma vez, chegava a comer oito pães franceses em um dia. Achava que não teria problemas porque queimaria tudo aquilo nos treinos.”

Como é hoje “Agora tenho um treinador e tudo mudou. Trabalho com foco e mais qualidade. Treino uma vez por dia e faço musculação, algo que eu não fazia antes. Descobri a importância do descanso, hoje não faço nada no domingo. Minha dieta também mudou: entrou salada, arroz integral e reduziu a carne vermelha. Isso melhorou meu rendimento: acabei de voltar de Orlando (EUA), onde venci a maratona da Disney.”

João Paulo Diniz

Como era o treino antes “Treino há 25 anos. Já fiz 25 maratonas, oito Ironmans e inúmeros triathlons. Por duas vezes participei da Race Across América, corrida de ciclismo que cruza os EUA. Minha base é corrida, natação e ciclismo. Antes treinava muito mais. Durante anos, corri até sete vezes por semana. Fazia duas atividades aeróbicas por dia e cinco treinos pesados semanais.”

Consequências “Como eu fazia um treino atrás do outro e não respeitava o tempo de recuperação, muitas vezes treinava cansado. E já fui baladeiro, saía muito à noite, e isso influía de forma negativa no meu rendimento esportivo.”

Como é hoje “Aprendi que hábitos e estilo de vida influenciam a performance. Percebi que respeitar o sono e o tempo de recuperação é importante. Tento dormir oito horas por dia e ir para a cama por volta da meia-noite. Também diminuí o volume de treinamento. Corro quatro vezes por semana, e dos cinco treinos pesados semanais passei para dois ou três. Musculação faço de duas a três vezes por semana – treinos curtos, de 45 min, mas fundamentais, pois reforçam a musculatura e ajudam a evitar as contusões.”

Renata Gomide

Como era o treino antes “Quando me preparava para a prova de meio Ironman, fazia três treinos por dia. Acordava às 4h30 e ia pedalar na USP. Na hora do almoço fazia musculação e, à noite, nadava. Nos dias em que não pedalava, eu corria. Não sou atleta profissional e tinha que conciliar todo esse treinamento com o meu trabalho de gerente de marketing esportivo. É muita coisa, ninguém merece!”

Consequências “Percebi que o ritmo do meu treinamento não era saudável quando parei de menstruar. Fiquei quatro meses sem menstruação. Minha ginecologista disse que o excesso de treino havia afetado meus hormônios e pediu que eu maneirasse dali pra frente.”

Como é hoje “Hoje percebo que dá para treinar menos, com mais qualidade e melhores resultados. Faço treinos mais curtos, porém mais intensos e com mais intervalos entre eles. São quatro a cinco por semana: dois de musculação e de dois a três aeróbicos, por não mais que 50 min. Com essas mudanças, acertei meus horários de sono e alimentação e me sinto mais disposta.”

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