Me engana que eu gosto

Mauro Nadvorny circula pelos aeroportos do país com uma única função: detectar mentiras

por Bruno Torturra Nogueira em

Há mais de dez anos uma tecnologia vem desmascarando mentiras pelo mundo. Mais confiável e muito mais simples do que os antigos polígrafos, o software precisa apenas da voz humana para determinar o que é ou não lorota. Mauro Nadvorny é o maior especialista do ramo no Brasil. Entre empresas, crimes e casais ciumentos, o Dr. Verdade dá seu testemunho: "Todo mundo mente, e isso é fundamental"

Cuidado com o que diz, cidadão. Cuidado mesmo. Pelos aeroportos do país tem circulado um homem perigoso como nenhum outro no Brasil. Seu nome é Mauro Nadvorny, e por trás de seu ar tranquilo e inofensivo habita uma alma em uma implacável missão. Munido apenas de um laptop e um microfone, é o único representante no Brasil de uma ferramenta relativamente nova no mundo. O mais eficaz detector de mentiras já criado. E dos mais difíceis de serem evitados por qualquer um que, como qualquer um, mente. Para saber se alguém está ou não dizendo a verdade, tudo o que Mauro precisa é que a pessoa fale em alto e bom som. E pronto. Eis seu ganha-pão: dar um parecer oficial sobre quem está, ou não, mentindo.

Há 11 anos ele teve essa revelação profissional ao ver uma reportagem banal sobre um software israelense então recém-desenvolvido. O criador, um técnico de som, havia presenciado um atentado suicida em seu país. Vendo a calamitosa cena, entre pedaços de seres humanos explodidos na Terra Prometida, ele entendeu que era a hora de descobrir um jeito novo de desmascarar gente mal-intencionada. Isso sem que o malfeitor concordasse, ou soubesse, que estava sendo avaliado. Ciente de que os velhos métodos do polígrafo eram complicados, falhos e, principalmente, dependentes da boa vontade do mentiroso, encontrou na voz humana todos os indícios de que precisava. Quando ficou sabendo do feito, Mauro disse: "Pronto! Vou ficar rico. Isso vai vender que nem água".

Mandou um e-mail para o fabricante e meses depois estava em Israel para aprender a usar o programa e assinar o contrato de representação. De lá pra cá, tem a exclusividade do produto no Brasil. O princípio é assustadoramente simples, e à primeira vista pode parecer charlatanismo. Mauro, sinceramente, garante a veracidade: "Eu diria que a ferramenta acerta em 95% dos casos uma mentira. E em 100% acerta que é verdade". A diferença entre um e outro diagnóstico é a base do programa – toda vez que uma pessoa mente, ou está prestes a mentir, há um stress inevitável dentro do organismo do sujeito. Uma emoção difícil de ser percebida ou rotulada, mas que, de alguma forma, transparece em sutis mudanças na frequência sonora da voz.

Certas alterações físicas, como batimentos cardíacos e temperatura, eram os sinais avaliados nos antigos detectores de mentira, os polígrafos, disponíveis ao homem há mais de cem anos. Mas aí está a grande diferença para a nova tecnologia. Os arcaicos aparelhos dependem de intrusivos aparatos, cabos e sensores ligados ao corpo, e naturalmente interferem no nível de stress de quem passa pelo teste – alterando o ritmo do coração, respiração etc. A credibilidade e a praticidade ficam comprometidas. E o diagnóstico final que vai determinar uma mentira ou uma verdade também depende de um bem treinado analista dos gráficos produzidos no polígrafo. Por isso, basicamente, nunca houve no Brasil a cultura do antigo detector de mentiras. Mauro está tentando mudar isso com seu simples, porém certeiro, dedo-duro eletrônico.

Ele passa seus dias entre duas atividades. Vender o software para empresas e órgãos públicos e fazer análises para clientes no caso a caso. Agora, ficar rico que é bom. "Nada. No começo eu não entendia bem por que não vendia tão bem quanto eu esperava. Mas o fato é que não havia no Brasil nenhum costume de detectar mentiras. Quando procurei delegacias e investigadores para oferecer meus serviços descobri que as delegacias não tinham sequer sala de interrogatório. O depoimento era dado na mesa do delegado. Ou no porão mesmo.", explica como descobriu que o buraco é, literalmente, mais embaixo.

“Soltar um culpado não é de longe tão grave quanto prender um inocente. É uma alegria quando descubro que um suspeito não tem culpa”

Máscara de gorila
Há mais de dez anos o dia a dia de Mauro é lidar com a fronteira entre a verdade e a mentira nos mais diversos níveis. Que o diga sua carteira de clientes. Primeiramente ele presta consultoria para empresas especialmente sensíveis a fraudes e segundas intenções. Companhias de segurança que temem contratar funcionários mais interessados em acesso a cofres do que em protegê-los. Ele então analisa as vozes de funcionários em cargos de confiança. Atualmente está montando um vultoso projeto baseado em seu detector de mentiras para prevenir fraudes em uma grande companhia de seguros. Tendo boas pistas através do simples relato do cliente pelo telefone, ficará muito mais fácil para a seguradora saber quais casos deverá pagar de imediato e quais investigar a fundo pois o cliente entregou pelo tom de voz que está dando um trambique em sua apólice.

Depois, Mauro cuida de atender gente assombrada por potenciais mentiras. Empresários que suspeitam do sócio, pais desconfiados de que seus filhos estão nas drogas e os inevitáveis casos de adultério. Mas antes de submeter um cônjuge a seu software, Mauro banca o conselheiro sentimental: "Quando chega um casal na minha sala querendo tirar a limpo uma traição, eu primeiro tento fazer eles desistirem. Explico que, se a coisa chegou àquele ponto, o problema deles é muito maior do que desfazer uma suspeita. Independente do resultado, só vai piorar a situação deles".

Mesmo assim, muitos querem porque querem saber. Isso quando não é um marido ou esposa que chega com uma fita na mão, sem o conhecimento do parceiro. Ou, o que também é comum no currículo de Mauro, os paranoicos. Gente que tem certeza de que vive em um complô de mentiras e armações. "Já peguei gente que queria estar junto comigo na hora da análise para ter certeza de que EU não estava enganando eles. é triste ver."

Empresas, casais e paranoicos podem encher a agenda de Mauro, mas o que realmente o anima são casos policiais. Muito mais do que descobrir um mentiroso e colaborar para mandar alguém para o xadrez, ele gosta mesmo quando libera um suspeito prestes a pagar por algo que não fez. Com os dados, explica: "ONGs estimam que 10% dos presos no Brasil são inocentes, e eu acho que a coisa é pior, talvez chegue aos 20%". E é aí que seu detector pode ser mais um herói do que um caguete. Como disse acima, o detector pode falhar na hora de detectar uma mentira, mas consta que nunca falha na hora de determinar uma verdade. Se um acusado afirma que é inocente e o detector não acusa lorota, Mauro acredita

Foi assim em um caso no interior do Rio Grande do Sul. Mauro foi chamado por policiais que detiveram um suspeito de estupro. Havia meses um tarado aterrorizava mulheres, e o processo era sempre o mesmo: um homem com capuz preto raptava as moças e antes de consumar o crime falava certa frase a todas. Quando os policias receberam uma ligação de que um rapaz com a cabeça coberta de preto havia sido detido correndo atrás de uma criança, o capturaram e colocaram diante dele sete vítimas. Depois de dizer a tal frase, as sete afirmaram que sim, era o estuprador. Mauro interrogou o pobre-diabo, que contou a seguinte história: trabalhava no lixão da cidade e, pobre que era, catava sempre algo de mais interessante no lixo. Naquele dia havia achado uma máscara de gorila. No caminho pra casa resolveu pregar peças e assustar moleques na rua. A inocente piada estava prestes a jogá-lo em um presídio com a pecha de estuprador. Sorte dele que o laptop de Mauro avisou: o homem diz a verdade. Checando as histórias com mais cuidado e diante de uma até então não notada discrepância, o gorila voltou, livre, para o lixão. "Para mim é uma alegria. Soltar um culpado não é de longe tão grave quanto prender um inocente", confessa.

Voz do amor
O software não é das coisas mais baratas do mundo. A versão profissional, recomendada para empresas e quem quer fazer um trabalho realmente sério com a detecção de cascatas, custa coisa de R$ 60 mil, incluindo laptop e treinamento com Mauro em pessoa. Seus honorários podem ser salgados se a mentira não for algo realmente importante na vida do cliente: R$ 600 por um laudo de até 15 min de gravação. Por outros R$ 600, o cidadão pode comprar uma versão doméstica do detector, mas sem muitos recursos e capaz apenas de avaliar declarações em tempo real. E um plug-in a mais, deveras útil para o romântico inseguro. O detector de amor, um recurso especial que analisa frequências de voz que denunciam a paixão oculta na voz de quem conversa com o ser amado.

Apesar de estar no ramo há mais de 11 anos, os negócios de Mauro só andaram realmente depois que começou a prestar serviços para programas de TV e colocar celebridades na parede. Era ele o homem por trás do pano no show de Gilberto Barros há alguns anos, dando seu veredito quando algum famoso mentia ou era sincero na TV. Atores, cantores, aspirantes a qualquer coisa na TV passaram no crivo. Quase nunca um político topou soltar a voz para o detector. Apenas o falecido doutor Enéas Carneiro aceitou. E só. O que, por si só, diz muito sobre a natureza dos homens públicos.

O sucesso do quadro espalhou a notícia de que as curtas pernas da mentira estavam na frequência da voz. Os clientes começaram a aparecer. E hoje, devagar, a tecnologia começa a se popularizar. O Skype hoje oferece um plug-in que detecta mentiras durante as ligações. Não é nenhuma profecia delirante supor que em pouco tempo versões domésticas baratas e eficientes vão estar em qualquer computador, telefone ou gravador de bolso. O cientista de Israel pode ter descoberto a mãe de todas as paranoias: a possibilidade de ser pego em qualquer mentira ou, que é pior, a chance de checar qualquer sinceridade de qualquer pessoa de suas relações. Mas se a ideia de um generalizado e democrático estado de permanente vigilância o assusta, fique com o parecer do especialista. Com a palavra, Mauro:

"Isso nunca vai acontecer. No começo eu achei que o software seria o maior sucesso de todos, mas sabe o que acontece? As pessoas não querem tanto assim saber toda a verdade". Não, Mauro? Mas por quê? "Olha. todo mundo mente. E isso não é ruim, entende? Certas mentiras são uma maneira de facilitar a vida, de não machucar os outros, de evitar brigas. E no fundo as pessoas sabem disso." Encerra tranquilo seu depoimento, certo de que o tempo, e não uma máquina, vai provar que o que diz é verdade.

 

A prova dos nove

Enquanto mortais acreditam ou duvidam do que dizem elementos envolvidos em escândalos, Mauro não especula – apenas checa. Aqui, o parecer dele – e de seu software – sobre algumas das histórias mais mal contadas dos últimos tempos

 


CASO – Ronaldo e os travestis. Bafo mundialmente célebre. Ronaldo foi chantageado por travestis dentro de um motel na Barra da Tijuca, depois que saiu embriagado de uma festa. À imprensa, o fenômeno jurou de pé junto que não sabia que se tratava de "não mulheres" quando os pegou na rua para uma farrinha privê.

ANÁLISE – O parecer de Mauro se baseou na entrevista que Ronaldo deu ao Fantástico para esclarecer o caso. Ele é categórico. Ronaldo mentiu quando afirmou que só descobriu que se tratava de travestis dentro do motel. Para o detector, ele sabia muito bem o que havia por baixo dos panos quando fez o check-in no Papillon. Mas, para aliviar um pouco a barra do camisa 9, o detector confirma que ele não sabia que se tratava de travestis quando os pegou na rua. Por dedução, dá para concluir que ele soube onde estava se metendo dentro do carro. E deu segmento à jogada. Gol!

CASO – Depoimento de Lina Vieira ao conselho de ética da Câmara dos Deputados. A ex-secretária do Tesouro acusou a ministra Dilma Roussef de ter solicitado um encontro para pedir a agilização do processo contra o filho de José Sarney. Dilma nega que houve o encontro. Lina reafirmou sua versão inúmeras vezes, mas não soube precisar datas.

ANÁLISE – Mauro acusa imprecisões e falta de certeza em quase todas as declarações de Lina aos deputados. Contudo, conclui que ela disse a verdade quanto à solicitação para solucionar logo o processo contra o Sarneyzinho, o filho do homem. Mas, avaliando as imprecisões e inverdades do depoimento, ele crê que o pedido não ocorreu na citada reunião. E sim em outra situação não esclarecida por nenhuma das partes. Estranho.

CASO – Casal Nardoni e a filha Isabella. Ficou famoso o caso da menina Isabella, que foi morta em condições bárbaras. O pai a a madrasta, o tal casal Nardoni, foram os únicos acusados pela morte da menina. Eles negaram tudo até o fim, mas ninguém acreditou.

ANÁLISE – A entrevista que Mauro analisou foi a do Fantástico, em que pai e madrasta discorrem sobre o amor e o carinho que sentiam pela menina. E sobre como foram vítimas de um criminoso que entrou no apartamento para caprichar na crueldade. Segundo Mauro, mentira pura. A entrevista é cheia de fraudes, imprecisões e momentos de extremo stress. A conclusão é uma só. Os dois foram cúmplices na morte da menina.

CASO – Sarney nega tudo na Globonews. Novidade para ninguém que nosso ilustríssimo presidente do Senado negue ser é, em resumo, safado. E foi isso que fez na única entrevista frente a frente com um jornalista depois do arquivamento de todas as denúncias contra ele. Carlos Monforte entrevistou Sarney em seu gabinete. Foi esse vídeo que Mauro analisou.

ANÁLISE – "Aqui Sarney só disse verdade. e não porque seja inocente. Mas porque político é especialista nisso. As perguntas são genéricas, e ele nunca responde exatamente ao que foi perguntado. Diz que tal coisa é assunto do filho, que nunca foi acusado de nada antes. E tem outro problema. Político tem ética diferente da nossa, míseros mortais. Quando eles dizem que não fizeram nada errado, no fundo eles acreditam nisso. Então, para o detector, não é mentira, entende?"

 

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