Marcos Vinícius de Campos e Guilherme Leal
Eles querem mudar a política do Brasil
Atenção: As entrevistas a seguir foram realizadas antes do acidente aéreo de Eduardo Campos.
O advogado Marcos Vinícius de Campos é uma das 271 pessoas reunidas na Raps, Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, uma entidade criada com a missão de trazer sangue novo à política institucional brasileira. Nestas Páginas Negras de formato especial, a Trip ouviu ele, Guilherme Leal e outros integrantes da organização para entender o sonho – e que parte dele é realmente possível.
E m 2010, o empresário Guilherme Leal estava na linha de frente da política nacional, ao compor como vice a chapa presidencial de Marina Silva, que na época disputava a eleição pelo Partido Verde. Leal era conhecido por ser um dos fundadores da Natura e pouco sabia das idiossincrasias da política brasileira. Perguntou a um amigo se ele conhecia alguém com experiência nas engrenagens de Brasília. Foi apresentado ao professor e doutor em direito Marcos Vinícius de Campos, ex-deputado federal pelo antigo PFL. Os dois sabiam que uma vitória de Marina era pouco provável. Acreditavam, porém, que se a campanha imprimisse alguma mudança na agenda do país já seria uma grande coisa. Marina perdeu a eleição, mas teve 20 milhões de votos com um discurso que pregava sustentabilidade e ética e que teve inegável influência na agenda eleitoral. Estava aí a vitória dos “sonháticos”, para usar uma expressão que descrevia o grupo de Marina na época.
Ricardo Young
é vereador em São Paulo pelo PPS e faz parte do conselho diretor da Raps
“Vim do setor empresarial, continuo participando de diversos conselhos e vejo que, assim como o mercado, a política é sim um espaço de transformação. A grande tarefa é construir condições pra termos ótimos políticos. Com cerca de 20% de bons políticos em cada parlamento, é possível fazer políticas de qualidade. Na Câmara de São Paulo fizemos a Frente Parlamentar da Sustentabilidade, com 13 vereadores de partidos diferentes, que conseguiu mudanças incríveis no Plano Diretor da cidade. Quando eu digo “bom político”, não é um conceito moral, maniqueísta. “Bom” quer dizer que esteja servindo a um projeto, com integridade e transparência e com uma proposta transformadora. Hoje, se você não for ligado a um grupo econômico ou a uma liderança partidária, como vai se candidatar, se articular com a sociedade e conseguir recursos pra se eleger? A Raps é pra essas pessoas que não conseguiriam entrar na política nas condições normais. E pra que a pessoa saiba fazer campanha, saiba ser claro, entenda o quanto a vida privada vai ser comprometida por esse projeto, seja capacitado para um mandato. Há muito tempo são as mesmas pessoas, os mesmos partidos, as mesmas lógicas de poder. O processo é esclerosado, tudo isso tá caindo de maduro. Mas tem uma juventude aí querendo participar da política, sem fazer as concessões que a política de hoje faz. E dá pra fazer isso.”
Guilherme Leal nestas páginas, a conversa é com outro fundador e conselheiro da entidade
Trip. Vou começar pela sua preocupação de a Raps não ser vista como “a rede do Guilherme”. Por que isso seria ruim?
Guilherme Leal. A gente acredita em processos que são coletivos. Na própria Natura é assim. Quando a gente foi pela primeira vez Empresa do Ano, pela revista Exame, em 1998, um tempo antes os jornalistas sondaram: “Quem é que vai pra capa, se vocês um dia forem?”. [Risos.] Nunca tinha tido capa coletiva na revista. E eu me lembro de a gente falar: “Não tem, nós somos um coletivo, não vamos querer isso”. Agora, estamos falando de uma rede. O nome é Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, e rede não tem dono, rede é um conjunto de articulações que vai se regulando. Reajo realmente aos personalismos. Não quero foto de super-herói, eu quero um processo de transformação social, político, econômico, prosperidade acontecendo.
Foi difícil lidar com isso estando na linha de frente de uma campanha presidencial, em 2010? Foi. Exigiu muito de mim. Não me arrependo, foi uma coisa rica, o objetivo que eu tinha era bastante claro de ajudar a colocar a questão do desenvolvimento de outra natureza na agenda política, e sem a Marina isso não aconteceria. As possibilidades de ganhar sempre foram remotas, mas decidimos ocupar um espaço pra trazer isso pra discussão. Agora, estar lá na linha de frente, pra quem não tem essa vocação e experiência, é difícil. Tenho orgulho da contribuição dada, foi um esforço importante, mas não é o que eu quero, nem o que eu sei fazer.
Por que a Raps é uma contribuição melhor? Porque é um envolvimento de todos os atores sociais na construção de um coletivo melhor. Tem que ser muito alienado pra não perceber que podemos construir algo. Nós não somos fadados ao fracasso. Chicago em 1920 era o símbolo de uma bandidagem e hoje é o símbolo de uma cidade de artes maravilhosas, de arquitetura, tudo. Por que nós não podemos nos transformar e ser uma sociedade melhor pra viver?
"Claramente não é minha vocação ser candidato a nada. Começamos, então, a procurar outras experiências"
E como se dá essa nova contribuição? Meu processo é de ajudar a mostrar, como empresário, como cidadão ou como político, como é que a gente produz essa transformação positiva. Minha biografia maior é como empreendedor, como empresário. Tento usar minha influência, obviamente já mais afastado do dia a dia de empresa, pra que ela continue sendo um experimento de desenvolvimento e de ação empresarial de melhor qualidade. Como ator da sociedade civil, eu tenho participado de uma série de movimentos, [Instituto] Ethos, fundação Abrinq, essa história toda. Continuo entendendo que empresas não mudam sozinhas, elas mudam por demandas de consumidor. E governos melhoram por cobrança da cidadania ativa. Tô convencido de que sem a política a gente não promove transformações sistêmicas. Quero ajudar a construir novas lideranças, mais do que estar num partido querendo acessar o poder. Os partidos têm que continuar existindo, não existe nada melhor do que a democracia representativa, mas a gente sabe das limitações que essa democracia oferece, no mundo inteiro. A Raps, com dois anos de vida, está se mostrando uma coisa interessante. Não estamos falando de 2014, de 2018; estamos falando de um processo. Daqui a uma década eu espero um resultado.
Não dá pra desvincular a Raps da sua experiência na eleição de 2010. Queria falar um pouco sobre isso. Eu brinco que 2010 foi uma experiência “Exército de Brancaleone desfalcado” [risos].
Mas que conseguiu 20 milhões de votos. Pra você ver como a candidata era boa. A estrutura foi forte porque tinha compromisso com ideias. O PV acolheu a candidatura etc., mas a experiência e o grupo eram muito limitados, os recursos eram limitados. Eu falava “que que eu tô mesmo fazendo aqui?”. Talvez a minha contribuição maior foi ajudar a organizar, pegar um problema e falar “como é que eu destrincho esse problema”. No fundo, empreendedor é um pouco isso. Nesse processo, conversando com um amigo, companheiro de Natura, ele me apresenta o Marcos [Vinícius de Campos], que tinha tido uma experiência política, como deputado, e tinha se afastado. Construíram-se a partir dali uma amizade e uma colaboração muito produtiva, durante a campanha e depois pra falar: o que fazemos com tudo isso, como se dá continuidade? Claramente não é minha vocação ser candidato a nada, nem na Natura eu quero ser executivo [risos]. Começamos, então, a procurar outras experiências e conhecemos a Rap, na Argentina, no comecinho de 2011.
Vocês foram a Buenos Aires? Foram o Ricardo [Young], o Leandro [Machado] e o Marcos. Conversaram com diversos líderes e tal, e a gente começou a processar, foi arredondando um conceito, durante um ano e pouco. Até que em junho de 2012 tivemos um primeiro ensaio da Raps.
"Eu não defendo um sistema que tem 35 partidos que, em boa parte, são um balcão de negócios. Mas tem que ir quebrando, fazendo evoluções progressivas"
Qual foi a primeira ação da Raps? Ela já nasceu com os compromissos da rede Cidades Sustentáveis, que vem construindo desde 2006 uma experiência de monitorar, criar metas, criar uma visão conjunta das cidades. Em 2012, reunimos candidatos a vereador e a prefeito e eles assumiram esses compromissos. Eu acho que a transformação se dá pela base, pelos municípios, pelas lideranças locais. Você bota na agenda uma grande mensagem que diz: “Ó, sustentabilidade não é brincadeira, é uma necessidade. Não é só preservar a mata, é mudar nosso cotidiano, nossa vida”.
Ao mesmo tempo é um conceito que foi ficando desgastado. Digo, a palavra sustentabilidade. Está desgastada, não? Sim, uma das primeiras reflexões nossas foi esta: “Marina, você já representou a floresta, mas sustentabilidade é uma coisa muito mais ampla”. Óbvio que eu não estava ensinando a ela, mas estávamos combinando bem o jogo: “Vamos deixar claro, porque se a gente só fala de floresta e 85% das pessoas vai morar na cidade, como é que é?”. De qualquer forma, a campanha de 2010 serviu para trazer de uma maneira mais forte a discussão sobre a qualidade do desenvolvimento. Mas eu acredito que a transformação vá se dar com a participação efetiva de sociedade, empresas, essa coisa toda, esse processo virtuoso. Criar uma série de movimentos de cidadania, através de lideranças, de instrumentos, com uma plataforma como essa, pra mim é uma ideia encantadora e que faz muito sentido.
Uma pergunta que fizemos ao Marcos Vinícius e vamos repetir: o Congresso Nacional é também uma representação do nível de escolaridade, de informação, do brasileiro. Formar líderes nesse contexto, com esse eleitorado pouco informado e pouco interessado, não é uma coisa um pouco sonhática – usando uma expressão de 2010? Eu não sou Poliana, não acredito em mágica. Mas eu acredito também que se não fizer nenhum esforço pra mudar e só falar “não tem jeito”... não dá. Aí é uma questão que eu falo que é até psicanalítica: eu não consigo lidar com essa hipótese. Isso pra mim é a não vida. Se a gente não acreditar, por mais difícil que seja, que uma hora tem que mudar... Estamos vendo o conflito Israel- Palestina. Não é possível que o ser humano continue a ser tão bárbaro. Eu preciso lidar com a esperança de mudança. Existe essa rejeição à política e aos políticos, aqui e no mundo inteiro, e os movimentos de junho do ano passado mostraram isso, que não é isso que a gente quer, que faltam representantes e formas e processos. Mas há um movimento. O mainstream vai ficar velho daqui a pouco, então você tem que detectar onde estão as tendências e apostar suas fichas. Eu não acredito que de repente o eleitor brasileiro, cento e tantos milhões de pessoas, vá passar a ter consciência, mas se você não tem lideranças minimamente inspiradoras fica difícil. A gente tem uma história, de gerações, de corrupção, de apropriação, de fichas sujas.
E as pessoas continuam votando nessas figuras. Pois é, mas eu não consigo me conformar com isso e tenho que apostar nos meus recursos. Pôr a minha energia nas tendências que podem promover a transformação, sem acreditar que elas são milagrosas e de curto prazo.
As deficiências do próprio sistema político também dificultam esse projeto, não? Eu não acredito na megarreforma. É óbvio que tem inúmeras possibilidades de aperfeiçoar o sistema, mas eu não acredito na megarreforma que vai resolver tudo. Tem pontos importantes, claro. Tem que reduzir a influência do poder econômico nas eleições? Tem, como tem nos Estados Unidos, uma das maiores democracias do mundo.
Tem que haver financiamento público? Tem que ter limitações e tem que ter mais transparência. E ter limite de gastos também, hoje você tem uma concentração absurda de contribuições. Mas não acho que há o modelo perfeito, só financiamento público, só privado, ou misto. Nos melhores exemplos de democracia você tem diferentes opções. Então eu não acredito na grande reforma, sempre esperada, que nunca sai. Tem que ir melhorando. É uma pena a cláusula de barreira ter sido derrubada, porque limitar o número de partidos faz parte de um processo de depuração. Eu não defendo um sistema que tem 35 partidos que, em boa parte, são um balcão de negócios. Mas tem que ir quebrando, inoculando, fazendo evoluções progressivas. É você primeiro mudar dentro do sistema que existe. Não adianta dizer que tá tudo errado e ponto. Não quero mudar de país, eu sou daqui, eu gosto daqui, pô! Então eu vou me conformar que seja só assim?
Você nunca se sentiu completamente desiludido com a situação política do Brasil? Em nenhum período? Completamente não. Vou contar um casinho: sou muito amigo do Oded [Grajew], que era um apoiador do Lula e que foi pra Brasília no primeiro ano de governo dele, em 2003. Em 2004, um mês antes do escândalo Waldomiro [Diniz, assessor do então ministro José Dirceu envolvido em denúncias de corrupção] ele pediu pra sair. Imagina a decepção. Eu tinha votado no Lula, isso não é segredo pra ninguém. Tinha uma boa relação com o Fernando Henrique, mas achei que ali a mudança de poder era necessária, era melhor ter o Lula do que o Serra, que não conseguiu historicamente juntar nem o PSDB. Esse foi um momento de depressão política muito grande. Mas, um tempo depois, me apresentaram o Júnior do AfroReggae. No meio daquela depressão, falei: “Pô, tá vendo como tem gente que, mesmo numa condição totalmente adversa, faz coisas?”. Não pode desistir, né?
A chapa Eduardo-Marina representa nesta eleição de 2014 alguma coisa do que vocês representavam em 2010? Obviamente tem uma influência do que representava. A Marina fez uma opção pra estar no jogo e poder trazer a visão que em 2010 a gente como chapa representou. Trazer pra disputa do poder a criação de alternativas. Ela não vai tomar o lugar do Eduardo, que tem um partido, mas estando com Eduardo ela traz uma voz pra esse processo eleitoral, então eu acho que é válido.
Gisele Uequed “Esta é uma iniciativa suprapartidária, que vê o partido político como um instrumento, não um fim. Tem muitas pessoas querendo transformar o estado das coisas. Mas pra fazer política, não basta ter boa vontade e honestidade. Precisa ter capacitação pra enfrentar o processo eleitoral e o próprio mandato. A Raps coloca lado a lado pessoas que têm o mesmo pensamento. E une essas pessoas pra que não se sintam uma maçã boa no meio de podres. A gente precisa reagir, precisa de pessoas com coragem, com ética. Estamos sendo encorajados a lidar com tudo o que é velho e está encrustrado nas câmaras. É um processo que própria sociedade vai começar a perceber; vai se tornar uma sociedade mais crítica. As pessoas estão sentido que não podem ficar omissas em relação à política. Tudo tem a ver com política. Ou partimos da indignação para a ação ou tudo fica como está.” |
Mas não é uma relação um pouco estranha? Se há uma preocupação em trazer uma proposta nova pro país, por que não deixar na cabeça de chapa quem representa isso e tem um legado de votos tão grande, como a Marina? Não é a velha política se manifestando? É, mas é que a situação real, quando houve a rejeição à criação da Rede [Sustentabilidade, partido que Marina Silva tentou criar], ela não podia chegar e dizer: “Vem cá, me dá sua cadeira”. Não tinha como, né? Mas eu acredito que tenha uma grande diálogo a ser construído entre o ruralismo, tão poderoso na política, e a visão socioambiental de desenvolvimento. Eu faço críticas aos dois lados. Ao socioambientalismo – com o qual eu me alinho muito mais, obviamente, mas que não tá sendo efetivo, tá perdendo o jogo – e ao ruralismo absolutamente arcaico, que pra atender interesses absolutamente particulares cria estragos monumentais. Esse é um dos grandes diálogos que o Brasil precisa construir. E esse paradoxo tá um pouco dentro da chapa Marina-Eduardo. Estou falando o que eu gostaria que acontecesse, não que isso está dado. Mas é uma possibilidade, né? De criar visões mais convergentes, que não são de um grupo ou de outro.
É possível que pessoas da bancada ruralista possam fazer parte da Raps? Ah sim, sem dúvida nenhuma. Eu gostaria. Tá todo mundo convidado, mas tem um processo que elimina aquilo que claramente não é coerente com os princípios e valores dessa rede. Não tem veto, mas é preciso ter compromisso com ética, com transparência, com diálogo. Com alguma mudança.
O senhor declara seu voto nessa eleição? Eu acho que a alternância de poder é fundamental [risos].
"Os tempos são de mudança de ciclo. Os próprios governantes atuais reconhecem e tentam manter um discurso de mudança"
Mas há diferentes opções pra essa mudança. Obviamente eu tenho uma simpatia pelas teses de Marina. Mas principalmente acredito na alternância de poder. Os tempos são de mudança de ciclo, os próprios governantes atuais reconhecem isso e tentam manter um discurso de mudança.
Isso vale pra São Paulo também? Vale, claro. Apesar de que... tem hora que você olha as opções e fala “hã?”. O que é mudança em São Paulo? Difícil saber. O eleitor fica sem saber.
Você continua no projeto da Rede Sustentabilidade? Se o partido sair, volta pra política formal? Não. Eu tive uma conversa superserena com o grupo que participou de 2010 e que tinha saído junto do PV, e falei que preferia estar fora desse processo. Eu tô escolhendo atuar transversalmente. Continuamos com uma enorme identidade sobre a maior parte das grandes questões públicas, é um grupo que tem pessoas muito queridas e respeitadas, não só a Marina, mas não é onde vou emprestar minha melhor contribuição. Desejo sorte à Rede Sustentabilidade, acho importante a existência. E acho difícil também propor uma outra experiência, um partido heterodoxo... não tá tudo resolvido. A inovação traz uma complexidade, fazer um partido em outras bases não é uma tarefa ordinária.
Você voltaria a ser candidato, a se envolver em uma campanha política? Ou nunca mais? Não... Espero poder celebrar muitos bons candidatos. Se eu puder ajudar a fazê-los florescer, ótimo.
José Eduardo Martins, “Como cidadão achei superinteressante o conceito. Todos temos preocupação com o país, mas pouca gente quer se envolver com os políticos profissionais, sem conteúdo. Tudo é muito baseado em eleição, uma coisa imediatista. O objetivo é mais abrangente, precisa ter mais gente do bem discutindo de maneira profunda. Ter uma entidade apartidária querendo formar melhores pessoas para a política faz muito sentido. Sou um doador, e vejo que tudo o que tem sido feito é muito bacana. É pensar em como andar pra frente sem ficar só na disputa entre partidos. Ninguém tem a fórmula da verdade, mas é mais interessante trabalhar por esse caminho.” |
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