Mais prédio, menos céu
J.R.Duran conta como floriculturas vem desaparecendo dando lugar a lojas e restaurantes
Em São Paulo, de repente, o número de floriculturas está diminuindo. A que existiu por muitos anos na praça Vilaboim, em Higienópolis, se transformou em um restaurante japonês (1). Uma outra, a da Gabriel Monteiro da Silva perto da Z Deli, se metamorfoseou na loja do Walter Rodrigues. Comprar flores, agora, só na feira ou lá nos boxes do cemitério da Doutor Arnaldo. Sinto falta do cheiro de umidade e do silêncio que tinham aquelas lojas. Da iluminação, não muito forte, que deixava esses lugares um pouco na penumbra, como se fossem uma espécie de catedral das flores. Só faltava, junto com o perfume das flores, o cheiro de incenso.
Já no aeroporto de Guarulhos têm aumentado as filas. Todas. As de despacho de bagagens, as do raio X, as das lanchonetes e as dos caixas do café e das livrarias (tem duas, uma delas está fechada para reforma). Os dispositivos que seguram as fitas para delimitar as filas serpenteiam no saguão. Os guichês de atendimento parecem que não aumentaram na mesma proporção.
Diminuiu a inflação, aumentou o poder aquisitivo de quem não tinha muito dinheiro e, que dirá então, poder. A venda de televisores de plasma aumentou nos meses anteriores aos jogos da Copa do Mundo.
O preço desses mesmos aparelhos diminuiu até 20% no instante em que o juiz apitou a final de Espanha e Holanda.
FOME E VIOLÊNCIA
Aumentaram as vendas de carros e nunca antes se construíram tantos edifícios na cidade. Os engarrafamentos também encompridaram seu rabicho. Já o céu, ao se caminhar pela rua, parece menor, recortado pelos fios do telefone, da alta tensão e dos semáforos. Os muros das casas são cada vez mais altos, os condomínios fechados são maiores e as calçadas diminuem de espaço, atravancadas por árvores com as raízes malcuidadas e as lixeiras suspensas.
Algumas coisas não diminuem nunca: a fome no mundo, a violência, os assaltos, as áreas de conflito. Ao contrário, pelo que se lê no jornal, parece que só aumentam. A violência, então, é uma questão de sorte. Ou de azar. Alguém teve o cuidado de levantar a estatística de que a dezena 16 foi a que mais apareceu nos resultados da Mega Sena. Já a 26 foi a que apareceu menos (2).
De uma maneira ou de outra, o mundo segue seu caminho. As esperanças são muitas, já as certezas são poucas.
(1) O restaurante japonês é kosher, se não me engano.
(2) A dezena 16 apareceu 258 vezes, a 26 apareceu 168 vezes apenas.
*J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor. www.twitter.com/jotaerreduran