por Luiz Alberto Mendes

Fiquei oito dias internado, estava louco para sair daquele ambiente de dor e sofrimento e, claro, também de cura e de profundas reflexões

Quando atendi a chamada de madrugada, já sabia quem me procurava. A enfermeira dizia que era para eu me dirigir diretamente ao hospital, pois eles haviam captado um fígado cujo sangue era compatível ao meu. Rapidamente, eu e a companheira nos dirigimos para lá. Estava certo que seria mais uma frustração, como a chamada anterior. Porém, foi chegar e tudo começar a acelerar — e me assustar. Fui novamente raspado, banhado e levado às pressas para a sala onde se efetuavam os transplantes.

Estava meio aturdido, bem sonolento, quando o anestesista torceu meu braço esquerdo e amarrou, como se faz com aqueles condenados à injeção letal nos States. Quando reclamei do mal posicionamento da omoplata, tomei uma agulhada que nem vi mais nada. A dor me acordou 24 horas depois. Estava preso, com araras coloridas que, por tubos espetados nos braços e pescoço, me ligavam a uma árvore de aço. Dor, dor, dor... Desespero. Agonia. Tremia de febre. A omoplata massacrava e eu não conseguia me mover.

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O abdômen cheio de curativos não me deixava ver o que havia sido feito comigo, mas eu sentia que era enorme. Suava muito, o pijama que me vestiram estava ensopado e fedia. O ombro parecia ter vida própria contraindo e doendo ao encostar à cama. O abdômen doía horrivelmente. Toda otimista, a enfermeira entrou dizendo:

— Já acordou! Que bom! Vamos tomar um banho, trocar de pijama, roupa de cama e de curativo. Vou buscar o material, aguarde um pouco!

Demorou uma eternidade para mim. Eu já não aguentava mais, não conseguia ficar sofrendo aquela explosão de dores, parado. Então, com extremo sacrifício, saí da cama para o chão. Minhas pernas pareciam gelatina, eu nem as sentia. Caí na porta do quarto da UTI quando chamava a enfermeira no corredor.

— O que você quer!

Eu já estava chorando igual criança, em crise.

— Meu ombro dói muito, não consigo ficar na cama, tudo dói...

Havia dúvida em seus olhos. Colocou-me na cama molhada e saiu dizendo que ia ver o que poderia fazer. Demorou, levantei novamente, do enorme corte saía um sangue aguado que escorria das pernas para o chão. Caí. E lá veio a mulher brava, dizendo que eu não podia sair da cama. Lembrei de Hannah Arendt, que fala da banalização do mal. Eu falo da banalização da desumanidade, do individualismo e do desinteresse pelo sofrimento humano. A educação, o respeito pela pessoa humana foi sendo literalmente embrulhado e jogado no lixo. Aos poucos, a dor já não me permitia ser gentil ou educado. Comecei a retrucar e ironizar acidamente. Elas se achavam tanto que me faziam passar por um verme repulsivo.

Insensato ou vingativo, perguntei para a pior delas qual era o truque que ela tinha para não usar o banheiro.

— Uai, por quê? Agora o senhor quer saber o que faço no banheiro?

— Porque, com essa superioridade toda, acho que vocês nem devem usar o banheiro, como eu, simples verme mortal...

Não me responderam, acho que nem entenderam a ironia. Elas me banharam na cama mesmo, rudemente. Puxaram de todos os lados dolorosamente, trocaram a roupa de cama. Porém, percebi que ainda matutavam sobre as minhas palavras sem saber se recriminavam ou aceitavam.

Não conseguia dormir. Pedia remédio para aliviar a dor e poder dormir e nada. Só com autorização médica, diziam. E afirmavam que eu não dormia porque estava em síndrome de abstinência por uso de drogas. Eu estava é cheio de dor na coluna, no ombro e nos cortes, era isso que me enlouquecia. Pressionaram minha companheira para que ela dissesse que eu usava drogas. Ela, apavorada com o meu estado alucinado, acabou falando que eu fumava um baseado. Sim, eu fumava, mas porque sempre fui insone, hiperativo e nervoso. A bendita erva me tranquilizava e me ajudava a dormir. No entanto, desde que o médico afirmou que isso poderia prejudicar o transplante, eu havia parado. Até onde sei, maconha é tranquilizante e calmante. Claro, tem suas contraindicações — prejudica o pulmão e tudo, mas não tanto quanto o cigarro, que até câncer causa. Não faço apologia e nem recomendo, mas estudei o suficiente para saber que não causa alucinação, surto ou loucura.

Sim, tinham enfermeiras que eram como anjos. Mudava o plantão e lá vinham elas sorridentes, comunicando boa vontade e bondade inata. Conversavam conosco, nos limpavam, cuidavam com carinho e nos medicavam com amor. Com a ajuda delas, consegui até tomar morfina duas vezes para conseguir estancar a dor e dormir. Era um prazer imenso quando elas chegavam e vinham para tirar sangue, cheias de medicamentos, injeções e curativos. Nos deixavam nas mãos delas e tranquilamente nada doía muito e tudo virava motivo para longas conversas. Elas nos enchiam de entusiasmo e esperança.

Fiquei oito dias internado, estava louco para sair daquele ambiente de dor e sofrimento e, claro, também de cura e de profundas reflexões. Saí com um projeto para um filme, muitas anotações e ideias aos montes de textos para escrever. Quando olhei para a minha barriga pela primeira vez, tomei um susto enorme. Haviam cortado desde a altura do peito até o umbigo, fazia uma curva para a direita e seguia até o começo das costas, tudo isso costurado com uns 150 pontos. Eu me perdia na conta, era muita linha entrando e saindo de mim, parecia essas botas militares amarradas até o joelho.

Minha companheira não arredou o pé de perto de mim. Saía do trabalho direto para ficar comigo. Eu tinha que brigar para que ela fosse dormir em casa. Ela queria ficar ao meu lado a noite toda. Bem que eu queria ter a sua atenção e carinho, mas não podia permitir. Ela teria que trabalhar no dia seguinte, carecia de estar descansada. Saí do hospital amparado por ela. Em oito dias, obtive alta, parecia um milagre. Embora estivesse parecendo com o Frankenstein — todo costurado, marcado e roxo por curativos e centenas de injeções nos braços, no pescoço e barriga — estava vivo e pronto para a recuperação.

Créditos

Imagem principal: Creative Commons

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