Lúcio Maia
Com novo projeto e prestes a lançar mais um disco do Nação Zumbi, o guitarrista Lucio Maia conversou com a Trip
Lúcio Maia é máquina multiuso. Guitarrista de bateria duradoura, na sua linha de produção de 2014 ele retoma o encontro entre África e Brasil no projeto Zulumbi e lança um novo disco do Nação Zumbi. “É o melhor disco que já fiz até hoje”, diz.
O álbum chega às prateleiras vinte anos após a estreia de “Da Lama Ao Caos”. Somadas ao cavaquinho de Fred 04, a frente do Mundo Livre S/A, as paletadas rasgadas e distorções agressivas de Maia engrenaram o campo harmônico do Manguebit -- com bit tecnológico.
Dali em diante, Lúcio tocou com gente como Max Cavalera, Seu Jorge e Marisa Monte. Produziu discos para bandas como o Autoramas. Compôs trilhas sonoras para filmes como Amarelo Manga e Linha de Passe. Teve até projeto solo sob o sugestivo nome “Maquinado”. O Zulumbi surgiu entre tantas andanças por palcos e estúdios do Brasil.
Ao lado de Rodrigo Brandão e PG, Lúcio revisita elos perdidos entre hip hop e samba e explora caminhos rítmicos para além dos batuques. “Acho que a gente faz música afrobrasileira contemporânea”, diz. Com cabeça no futuro, Lucio não nega o passado.
O ataque da Manguetown nassoviana resiste na metalinguística “Wah Wah”, embora o balanço e o suíngue tenham mais valor no conjunto do disco. Máquina, Lúcio é robô sofisticado que aprende com o tempo. “Conheço tudo que fiz e procuro não me repetir”, calcula.
Vamos começar falando do seu novo projeto, o Zulumbi. Como ele surgiu? Lucio Maia: O Zulumbi começou há um tempo, em 2011. O Rodrigo é um amigo há 15 anos. O PG é um amigo há dez anos, ele é meu sócio. A gente sempre se vê, sempre se fala. Temos uma relação de amizade muito forte. Esse tipo de coisa entre músicos é muito natural que se torne disco. A gente tem uma afinidade musical muito grande. O PG participou dos dois discos do Maquinado, ele era do Maquinado quanto tinha DJ. O Rodrigo participou diretamente da história da Nação Zumbi em vários momentos. Ele também participou do Maquinado e eu participei do Mamelo Soundsystem. Fizemos turnês juntos. Sempre estivemos próximos. Em 2011 surgiu uma parceria com o SESC e o Rodrigo tinha de formar uma banda pra tocar rap. Ele perguntou pra mim se eu topava juntar uma galera para fazer um show. Ele cantava as rimas dele e a gente tocava as músicas que quisesse. Chamei o Dengue e Toca Ogan, do Nação Zumbi, e o PG soltava as bases. A gente fez o show e achou que dava certo transformar isso num disco. Dessa turma os únicos que abraçaram a causa fomos eu, Rodrigo e PG. Desde então a gente veio montando o disco, fazendo as bases, fazendo as letras. Cada um tinha seus compromissos pessoais, eu fiz a turnê com a Marisa que durou um ano e meio, Rodrigo tem os projetos dele e PG ficou envolvido com a banda dele. Por isso levou tanto tempo para concluir.
Quanto tempo entre concepção e estúdio? De dois a três anos. Esse período abriu precedente para colocar um monte de gente no disco. A calma em fazer esse disco serviu pra encaixar as pessoas. Todas as pessoas que estão no disco a gente queria muito que estivessem. Anellis Assumpção, Yarah Bravo, Rob Mazurek. A mixagem foi feita pelo Scot Hard e ele é um amigo nosso de muito tempo. Foi muito importante a presença dele porque o Zulumbi é um disco que não tem classificação. Não tem uma palavra que possa resumir exatamente o que é. Acho que a gente faz música afrobrasileira contemporânea. Acho que se encaixa mais nesse tipo de rótulo.
Você acha que existe um movimento, uma retomada da estética africana pela música brasileira contemporânea? Tem bandas como o Bixiga 70, o Metá Metá, o Dubversão, enfim, vários projetos que dialogam com o som africano. Sempre fiz parte disso. Todos os discos que fiz na minha vida tentaram impulsionar a música afrobrasileira. Existe, sim, um movimento. Todas essas bandas são responsáveis pela manutenção disso, mas, como sabemos, é dentro do âmbito alternativo. É muito difícil. Pessoas como o Metá Metá que são impulsionadores da música brasileira sofrem muito com isso. A Juçara Amaral é uma das melhores cantoras do Brasil e do Mundo. É emocionante vê-la cantar. Quem não viu, deveria ver para entender a importância que o Metá Metá tem hoje em dia. Não só eles como todo o esquema dessas bandas, sempre muito envolvidas com a música brasileira. Assim como a Nação Zumbi, assim como Lucas Santtana e outros artistas. E todos eles que estou falando não estão no mainstream. Estão fora do grande circuito… Isso. Onde tem dinheiro, estrutura para se manter, fazer bons discos e poder almejar coisas cada vez maiores. É muito complicado, principalmente não ter essa estrutura. A gente conta muito pouco com o público porque ele comparece no show, mas na hora de comprar o disco o público não comparece. Ele baixa. Tudo bem, isso é uma forma de pensar e as pessoas estão no seu direito. Mas se você não vende disco, nenhuma gravadora se interessa por você. Você pode ser o maior artista do planeta ou o cara mais conceitual do mundo, não adianta. Os artistas precisam de grana para se manter e só o padrão ultrapopular é procurado pelas gravadoras.
Você acha que esse é o principal motivo para se manter esse círculo vicioso: a falta de vendas? Você faz parte de bandas que fazem um trabalho autoral, mas isso não vende disco. Sou uma pessoa esperançosa com relação a isso. Acho que a Nação Zumbi, dentro desse circuito, é a única que sempre teve gravadora. A única gravadora independente com a qual trabalhamos foi a YBrasil, com o disco Rádio S.Amb.a. A história de gravadora bancar disco existe pra quase ninguém. Todos os artistas produzem seus trabalhos e levam para as gravadoras. Isso acontece de Chitãozinho e Xororó a Ratos de Porão. Todo mundo faz isso porque não existe mais o orçamento de gravadora. Talvez como adiantamento, mas contratar um artista e bancar todo um disco é algo que não acontece mais.
Mas você é de uma geração que criou um movimento propriamente dito, o Manguebit. Você traz um conhecimento desses vinte anos de experiência sobre como trabalhar no independente? Sim, a gente trabalhou bastante e descobriu muita coisa. Acho que não adianta nadar contra a corrente. Acho que você pode ter suas convicções, mas se você nadar contra a corrente você fica sozinho. Muitos problemas que poderiam ser piores diria que, de certa forma, burlamos para não perder cabeça. Você dá uma volta ali, outra lá e consegue sobreviver. A gente está com vinte e três anos de banda. É difícil se manter tanto tempo assim, ainda mais no circuito alternativo. Sem dúvida nenhuma o Nação Zumbi é uma das bandas que conseguiu chegar numa região de conforto que não é o mainstream. A gente consegue assinar contrato com as gravadoras sem mostrar o disco para elas. Nós temos uma estimativa de venda, não somos uma banda cara porque sempre trabalhou independentemente produzindo nossos discos e entregamos tudo pronto: capa, clipes, tudo o mais. Conseguimos nos manter assim por quase duas décadas e meia.
Você me parece bem entusiasmado com o Nação Zumbi. O que vocês fazem para manter isso em mais de vinte anos de banda? A gente sempre teve esse hábito saudável de se superar. Esse disco novo que a gente vai lançar em abril, pra mim, é o melhor disco que a gente já fiz até hoje. Eu estou entusiasmado. A agenda está começando a crescer e foram criadas boas perspectivas para um futuro breve. O disco sai depois do carnaval e nessa semana já tem uma música disponível para download.
E como foi gravar esse disco do Zulumbi? Tem mais sonoridades eletrônicas, a presença do DJ também. Pra mim não foi muita novidade, não, porque a formação é idêntica ao primeiro disco do Maquinado. As bases eletrônicas com guitarra e baixo elétricos. A diferença veio com Rodrigo na temática e no jeito de cantar. Ele faz rap, é diferente do meu jeito de cantar. Pra mim foi muito bom esse exercício da parte mais rítmica do disco. Sempre trabalhei num esquema em que a guitarra precisava ser um instrumento muito harmônico, que desse base pra banda. Muito porque o Nação Zumbi sempre foi uma banda de guitarra, baixo e muita percussão. Nesse disco do Zulumbi eu pude ficar mais em cima da questão da parte rítmica, da parte grooveada, criando atmosferas. A diferença fundamental foi essa. Durante esses dois anos eu também fiz muita coisa diferente com a guitarra. Pude experimentar muito, comprei instrumentos e pedais. Sua guitarra é bem conhecida por isso. Tem muitas distorções, pedais.
Como vocês compunham? O Rodrigo chegava com uma ideia de melodia, cantando sem letra. A gente ia criando arranjos com espaços para as estrofes. O Rodrigo ficava com esse esqueleto e depois voltava com as letras. A gente foi arrumando uma coisa aqui e outra ali e depois fomos ao estúdio. Foi um ano mais ou menos de gravação.
E as participações, como vocês pensaram? A gente fez uma lista de umas trinta pessoas. Colocamos uns nomes bem malucos, tipo Dan the Automator [produtor de hip hop norte-americano]. Mas aí a gente caiu na realidade e foi vendo o que se encaixava no disco. Chegamos nessa turma e estão exatamente as pessoas que queríamos que estivessem. As outras viagens que a gente teve foi porque não tinha música pra encaixar. A gente pensou em um monte de gente, mas as pessoas que estão no disco encabeçam a lista. A Yara foi uma ideia que surgiu no meio do caminho, o Cabral também. O Thiago França a gente já tinha convidado de antes.
Em aspectos musicais, o que você carrega do Nação pro Zulumbi? Muita coisa. Uma carreira é um prédio, se você tira uma pilastra lá de baixo o prédio desmorona. Todos os tijolos são importantes, não tem como especificar o que foi influência direta ou não. Sou uma pessoa que me vigio muito para não me repetir. Conheço tudo que fiz e procuro não me repetir principalmente na parte mais técnica, a parte de timbre, efeitos, esse tipo de coisa.
E quais guitarristas que você escuta bastante? Nomes que são influência para você. Gosto muito de guitarristas de jazz como Wes Montgomery. Gosto muito também da guitarra de reggae. Teve muita gente bacana na minha vida: Jimi Hendrix, Peter Towshend.
O Tom Morello? Ele tem um estilo que lembra o seu. Curto pra cacete também! Admiro muito o trabalho dele, é uma pedra fundamental pro rock mundial. Ele é tão importante quanto o Hendrix. São pessoas que impulsionaram o instrumento pra frente. A maioria tende a manter uma linearidade, uma reprodução do que foi o passado. Acho que isso não tem muito valor. Quanto mais você puder impulsionar o instrumento, mais valor você cria pra ele. Mesmo que seja da forma mais simples possível, mas que seja de uma forma inventiva. Um exemplo de bom guitarrista é o Jack White. Ele é um cara que pega o instrumento e bota pra frente, ele não fica preocupado com a técnica. Ele toca com o coração e isso é o mais importante.
Bem, quais os planos com o Zulumbi para esse ano? Agora eu estou em Recife para tocar com o Nação. Estamos parado um pouco com o Zulumbi porque nosso DJ está na Nova Zelândia. Depois do carnaval a gente vai retomar. Agora em março já temos shows marcados.